Algumas
antigas discusões entre praticantes, entusiastas, professores ou mestres de
Kung Fu, de tempo em tempo reaparecem e sempre geram polêmica e controvérsias. A
partir de alguns vídeos publicados na internet (em que um, algumas semanas
atrás, ficou muito ‘famoso’), onde supostos ‘mestres’ e/ou praticantes de Kung
Fu, Taiji e/ou Chi Kung ‘apanham’ de lutadores de outros ‘estilos’ ditos
‘marciais’, fazem que muitos entusiastas tirem conclusões, muitas vezes,
precipitadas e equivocadas. E estes sempre voltam com o discurso de ‘decadência’
das ‘artes marciais’ chinesas. O fato é que não há uma ‘decadência’, mas há uma
distorção, uma confusão de concepções, conceitos, contextos referentes ao tema
e as artes provenientes da China já citadas. Alguns, para uma pretensa e
sugerida ‘saída’ desta ‘situação’, então falam em ‘modernização’ destes
estilos.
Em primeiro lugar, o vídeo (ou os
vídeos) em questão não tem nada a ver com 'decadência do Kung Fu', nem com uma pretensa
tal 'modernização' dos estilos, ou algo que valha. Isso é um discurso panfletário (ideológico).
No caso do ‘famoso’ vídeo onde o suposto mestre de Tai Chi Chuan apanha do
suposto lutador de MMA, a princípio, é um contexto de estereótipo, não de
realidade. Pra começo de conversa, Taiji não é luta, pois vai muito além disso.
O vídeo é uma 'disputa', um jogo que já se contradiz em se tratando de Taiji. Só
mais um (entre tantos) desses feitos para detratar o Taiji ou o Kung Fu. Eu
diria que achar que isso resume o todo, que prova alguma coisa, é no mínimo
ingenuidade ou falta de conhecimento sobre o Taiji e o próprio Kung Fu.
A confusão é tão grande que, primeiro,
os objetivos entre ‘luta’ e Taiji não são os mesmos. Lutar esportivamente é uma
coisa. Defesa pessoal é outra. Briga é outra. Praticar para ter fluência na
vida é outra. Uma, não necessariamente exclui a outra, como uma não
necessariamente complementa a outra. O Taiji e o Chi Kung melhoram
significativamente o Kung Fu. Quem pratica/estuda sabe bem disso. Os vídeos em
questão não apontam a realidade do Taiji ou do Kung Fu como um todo. Denotam sim
um 'estereótipo'. É mais um destes vídeos feitos para deturbar e distorcer
fatos Ingenuidade é achar que as artes chinesas estão em decadência por causa
de vídeos como este(s). Compreendam, de estilo para estilo, o enfoque é outro. Também
existem praticantes e praticantes, onde, geralmente, quem está mais afinado,
preparado, no caso de um combate, ganha. Na vida, no cotidiano, o mesmo. Mas são
‘preparações’ e contextos diferentes.
Certamente, como estudante e
professor de Wing Tjun, Taiji e Chi Kung, se eu entrar num 'jogo' (luta),
ringue, tatame, ou o que for com um 'lutador' (atleta competidor), dentro
daquele contexto, posso perder a luta. Pode até ser com um aluno meu. 'Mas
como, perder, se é seu aluno?' Sim, porque não? Não sei 'lutar/competir
esportivamente'. E isso nem me interessa. Mas, dentro de 'outra realidade', de
outro contexto (rua, Mo Gua, etc.), a história é outra. Eis o discernimento que
se deve ter para compreender, e aí, então, poder ter coerência no que se fala
ou promove. Caso contrário acontece o que está acontecendo com alguns
praticantes. Deixam-se enganar por estereótipos.
Se Kung Fu não é luta (leia-se
que a 'luta' do Kung Fu leva outro nome - ou nomes, sendo Kung Fu algo mais
amplo, complexo), imagina o Taiji! Daqui um pouco vão dizer e querer 'provar' a
'ineficiência' do Chi Kung como 'luta', com um vídeo desses de um 'mestre'
desses. Dizer que isso é Taiji, como dizer que Kung Fu é 'luta'
(simplesmente), é reduzi-los. A velha discussão de sempre. As várias concepções
existentes é que são diferentes. Algumas mais ingênuas, outras ideológicas, e nestes
casos, ambas sem a devida profundidade. Tratar o Taiji como uma 'luta' é falta
de conhecimento ou compreensão do mesmo. Ambos, Kung Fu, Taiji e Chi Kung podem
ser usados (e servem) em 'lutas', tanto esportivas quanto na 'luta cotidiana'
(se é que me entendem), inclusive, na 'auto-defesa'. Quando se aplica bem o
'estilo' ou o que for, já não importa muito nominá-lo, o que importa é a
habilidade em fazê-lo.
Discernir as coisas, os estilos,
motivos, onde são praticados (contextos e situações) faz toda a diferença nesta
discussão toda. No caso, como já dito antes, sou professor de Kung Fu (Wing
Tjun), também oriento Chi Kung e pratico Taiji. Se eu topar sair no soco com um
cara desses (lutador), é muito provável que leve a pior (principalmente dentro
do 'jogo', ringue, tatame, octágono). Mas isso também não é uma certeza. As
coisas não são pré-determinadas dessa maneira. Mas, como não estou aí pra isso,
não estudo/pratico, nem leciono e ensino pra isso, digo que são outras as
'estratégias', outros 'princípios', outra realidade. Por não ser atleta, não
ter a força ou o condicionamento físico, e nem utilizar as mesmas estratégias
de um, devo usar as 'armas' que possuo, que sei, conheço, pratico, tenho
domínio e/ou habilidade. E elas são bem mais, digamos, 'pontuais'. Ou seja, sem
todo este 'desgaste' (físico e emocional/psicológico). 'Sem luta', sem disputa,
sem submissão. Na dita 'defesa pessoal', o olhar, percepção e habilidade
(sensibilidade), contam mais do que o uso da força. Nisso, defendo a tese,
ideia ou conceito de 'não-luta'. E isso muda tudo. Quem sabe deste conceito,
copreende bem do que estou falando.
Um vídeo como este e tantos
outros, só provam uma coisa, a confusão dos entusiastas e limitação de certos
'mestres', não dos estilos, não limitação apenas técnica, mas de atuação como
um todo. Bons mestres ou professores ou praticantes não caem nestas
'ladainhas'. Se caem é, justamente porque não estão 'prontos' para aquilo que
dizem fazer parte, ser ou praticar. Simples, Kung Fu ou Taiji não se resumem em
luta. Aliás, grandes mestres e praticantes não lutam. Mas muitos, quando
precisaram do Kung Fu ou Tai Chi ou Chi Kung na vida prática, cotidiana, real, souberam
usar e ele(s) funcionaram, independente da 'luta', 'esporte' ou o que for. Ou
seja, ampliar o conceito, a concepção, a arte, e não reduzi-los. Eis a questão!
Estes vídeos não representam a realidade além da intensão dos mesmos. Na hora
do 'vamos ver' não é o 'estilo' que define a situação, mas sim a habilidade ou
desenvolvimento do praticante. Aí é uma soma de coisas, de conhecimentos e
habilidades, sendo que cada situação é uma situação.
Até hoje só quebrei um dedo
treinando, além de algumas lesões leves e medianas. Lutei e briguei pouquíssimas
vezes quando adolescente. E sempre me dei bem nelas. Aprendi que a diversidade,
os conflitos ou trâmites da vida são mais perigosos do que a 'luta'. E nisso,
'meu Kung Fu' (como gosto de dizer), até então me foi muito significativo.
Enquanto lutar é sair no soco, chute, só que com técnica, ou seja, um 'jogo'
onde o mais preparado fisicamente e tecnicamente, geralmente sai ganhando. O
que não garante o mesmo sucesso em outras situações da vida, onde muitos destes
'vitoriosos' se dão mal. Por isso, dizer que as 'inúmeras técnicas' das artes
chinesas são 'inúteis' numa luta, é falta de conhecimento. Na verdade, as vejo
no âmago das lutas. As lutas, neste sentido, são uma sínteses do que o Kung Fu
e Taiji podem propiciar. Ou seja, alguns aspectos do Kung Fu, Taiji e Chi Kung
estão nas lutas de uma forma geral. Estas artes são 'essência', não
'resultado'. Assim como ‘técnica é instrumento, não essência’.
Pior de tudo é ver praticantes
e/ou professores de Kung Fu reproduzindo este discurso, está ladainha (leia-se
vídeo) como se fosse 'verdade absoluta'. Isso demonstra o nível de alguns
‘estudantes’ (praticantes) e o que precisa melhorar, sob tudo nas suas
‘óticas’. Em suma, não são os estilos que precisam ‘melhorar’, mas a cabeça e
conhecimento de alguns praticantes e professores. Depois falamos em técnica,
luta, defesa-pessoal, etc...
- A matéria
da ‘empresa de comunicação esportiva’ (é óbvio que vai distorcer e
trabalhar com o ‘não-conhecimento’ do grande público, como é comum no ‘espetáculo
midiático’ – leia-se ‘Indústria Cultural’ em Escola de Frankfurt e ‘Sociedade
do Espetáculo’ de Debord) denota sua superficialidade ao noticiar o fato:
- Tai Chi
Chuan / Kung Fu, para além do ‘espetáculo-midiático’ e dos reducionismos: