Wing Chun, como mais é
popularmente conhecida sua forma escrita (também escrito como Wing Tjun, Ving
Tsun, entre outros – e abreviado como WT) é um ‘sistema’ de ‘Mo Sut’ (o que no
ocidente é popularmente chamado de ‘arte marcial’), dentro daquilo que
popularmente chamamos de Kung Fu (um complexo chinês de Mo Sut que é dividido
entre outros diversos estilos). Oriundo do sul da China, mais especificamente
na província de Fujian, provavelmente desenvolvido entre o final do século XVII e início do
século XVIII, em plena dinastia Qing (1644 – 1911), no templo de Siu Lam
(Shaolin) por estudiosos mestres budistas, especialistas nos estilos Garça
Branca e Serpente (estilos de Kung Fu e ‘animais símbolo’ que caracterizam o
WT, além de Chi Kung e provavelmente de Tai Chi Chuan), e em seguida ensinado
para jovens atores/atrizes do teatro de ópera chinesa dos juncos vermelhos, o
WT hoje é um dos sistemas de Kung Fu mais estudados/praticados no mundo.
Popularizado (como foi também o caso do Kung Fu), principalmente pelos meios de
comunicação de massa, através de documentários e do ator, performer e
praticante Lee Jun-Fan, o famoso Bruce Lee, que de certo modo abriu caminhos
para que um dos grandes mestres do estilo e seu modo de WT fossem conhecidos
pelo mundo. Trata-se de Ip Man que, durante algum tempo foi sifu (professor ou
mestre em chinês) de Bruce Lee. Atualmente Ip Man e o seu WT são muito
populares pelo mundo, devido ao sucesso e fama do sistema de ser muito
eficiente (por mais relativo que isso possa ser) e adaptável, e pela
repercussão deste mestre e seu estilo de WT, primeiro através do cinema e por
Bruce Lee, depois pelos mais recentes filmes que trazem a figura do próprio Ip
Man como protagonista. Ip Man fez ao seu modo o que muitos outros mestres e/ou
estudiosos do WT fizeram ao longo do tempo, ou seja, adaptou para sua prática o
sistema, estudando mais de uma linhagem e criando assim sua própria escola e
estilo de WT (o que, inclusive aparece em um dos filmes da série ‘O grande
mestre’). Isso, de alguma forma, acarretou (e sempre acarreta) críticas vindas dos
mais ‘puristas’ e/ou ‘conservadores’. Inclusive, na sua época, Ip Man sofreu
com isso, sendo considerado por alguns, ‘traidor’ da linhagem da sua família,
pelo fato de ter estudado com outros mestres e trazido alguns ‘elementos novos’
ao seu ‘WT familiar’. A partir do seu ‘modo’ ou ‘estilo’, Ip Man deixou alguns
bons alunos que também se tornaram grandes mestres, e que, em menor ou maior
grau, também desenvolveram seu ‘modo’ de WT. Entre eles, podemos citar Wong
Shun Leung (que foi professor de Bruce Lee), Leung Ting (um dos mestres mais
seguidos e estudados no WT mundial) e Moy Yat, entre outros. Isso prova que não
existe uma pureza e que, o ‘estilo’ (ou ‘linhagem’) Ip Man, não é ‘o
verdadeiro’, nem único, melhor ou puro WT, mas sim, ‘um dos’ estilos, escola,
linhagem ou modo de se estudar/praticar ou conceber o sistema. Nisso, vários
outros grandes mestres (não tão populares quanto Ip Man) deixaram seu
importante legado na história do WT, como são os casos de Leung Jan e Yuen Kay
San, por exemplo, assim como outros que continuam dando continuidade à estes
legados com suas escolas e pesquisas, como são os casos dos atuais mestres Sergio
Iadarola (IWKA) e Anastasios Panagiotopoulos (Tassos - DVT), e no Brasil Leo Imamura (Moy Yat), entre outros.
Nisso, além do WT, temos artes que se coligam ou, no mínimo, se relacionam em
alguns aspectos ou momentos, como é o caso do Yong Chun/Fujian White Crane
(Garça Branca), do Weng Chun Kuen, das 18 Lohan Hands (18 mãos de Lohan) e dos
próprios Chi Kung e Tai Chi Chuan e seus grandes mestres. O próprio Taiji foi
criado a partir dos ‘animais símbolo’ Garça e Serpente, os mesmos do WT, o que confere
tal relação. Nisso também consideremos a relação 'filosófica' entre budismo e taoismo na constituição das práticas ou 'artes' citadas acima - o que pretendo abordar em outro momento.
Hipótese(s) históricas
* Foto del Dai Dak Lan, ideato da GGM Wai Yan che trasformó un suo vecchio magazzino in un luogo d'incontro dove i migliori maestri di Wing Tjun come Tang Yick, Ip Man, Chu Chung Man, Lo Chi Woon, Tam Kong...cercavano di ricostruire l'antico sistema marziale usato nel monastero Shaolin. (via IWKA)
Como já foi dito acima, o WT é um
‘estilo’ de Kung Fu do sul da China. Mas a história de sua origem divide
opiniões pelo mundo. Algumas linhagens seguem a clássica e lendária história
(ou ‘estória’) da monja Ng Mui (a mais popular delas) e da criação do sistema a
partir da luta entre uma serpente e uma garça que, supostamente a monja teria
presenciado, e depois de criado um novo estilo de Kung Fu, teria ensinado uma
jovem chamada Yim Wing Chun. Surgiria assim um novo ‘sistema marcial’ e seu ‘nome’.
Porém, esta é apenas umas das ‘estórias’ que, inclusive, se assemelham a
criação de outros estilos de Kung Fu, por isso seu aspecto se torna mais
lendário e romântico do que histórico. Nisso, o que temos mais próximo aos
‘fatos’ históricos, se pensarmos a partir do contexto em que se insere o
surgimento do WT, chegamos ao templo Siu Lam no sul da China, período onde a
dinastia Qing dos manchus dominava o país. E é mais provável que, por se tratar
de um sistema sofisticado como é o WT, ele tenha sido criado por
estudiosos/praticantes de Kung Fu, tendo como base os estilos Garça Branca e
Serpente. Não é por nada que estes são os ‘animais símbolo’ do WT. E por se
tratar de dado período e local, podemos considerar que os criadores do sistema
eram mestres em alguns estilos de Mo Sut, e por viverem no templo Siu Lam, eram
budistas (filosoficamente e religiosamente falando). Em seguida o sistema teria
sido passado para seus alunos que eram atores e/ou atrizes do teatro de ópera
dos juncos vermelhos, onde ele foi estudado e desenvolvido em segredo – daí o
surgimento e a história da(s) ‘sociedade(s) secreta(s)’, com o intuito de desenvolver,
preservar e aprimorar o sistema, a modo dos seus praticantes defenderem-se da
tirania dos manchus. Esta é a ‘hipótese’ (uma entre tantas) de que, como
historiador (não especializado nesta área, mas com meu ‘faro’), estudante e
professor de WT, acredito. Outra, e a mais popular entre elas, é a de que o WT
foi desenvolvido para destronar o imperador manchu e retomar a dinastia
anterior, a Ming. Existe mais uma, a de que o WT serviria para a ‘revolução’.
Ou seja, ajudar na derrubada da dinastia Qing e criar uma nova ordem social.
Acho estas duas últimas pouco prováveis, pelo fato de o sistema ter sido criado
por mestres estudiosos, portanto, ‘intelectualizados’ nas filosofias e no Kung
Fu, e repassado a jovens letrados nas artes, por isso, também
‘intelectualizados’. Portanto, dentro de certa perspectiva de pensamento
‘lógico’, como seres inteligentes e estratégicos, saberiam da imensa
dificuldade de, em poucos, derrubar um império muito forte como era o manchu.
Por isso fico com a primeira hipótese de que o WT foi criado e desenvolvido,
pelo menos num primeiro momento, para a própria defesa física e cultural dos
seus membros praticantes e seu modo de vida (lembrando que a repressão era
forte no período, e que o exército Qing era muito bem treinado), o que, de
certo modo, explica o dito popular de que o WT foi criado para ‘pessoas mais
fracas se defenderem de pessoas mais fortes’.
WT no tempo presente e
suas possibilidades
Atualmente, pela popularização da
internet, you tube, sites e blogs que tratam do gênero, para os que não sabiam
ou não acreditavam, se comprova que existem inúmeras linhagens e escolas de WT
espalhadas pelo mundo. Seja nos vilarejos do sul da China e do Vietnã ou
espalhadas pela Europa, escolas, mestres e suas linhagens ou estilos de WT, nas
suas diversidades, hoje são visíveis. Assim se pode ver que, além da ‘escola’
deixada melo GM Ip Man e suas variações, inspirações ou influências, existem
inúmeros outros modos ou estilos de WT, tão profundos quanto o estilo ou
linhagem Ip Man, só menos populares (ou popularizados), mas não menos
sofisticados, eficientes ou efetivos. Uma variedade e suas variações que permitem
que, hoje, com a orientação coerente, se estudem possibilidades dentro do WT,
em suas várias linhagens. E isso não tem nada a ver com ‘desrespeitar’ uma ou
outra linhagem, mas apenas possibilitar. É o que fazem alguns
mestres/pesquisadores hoje. Nisso, tomemos de exemplo o já citado sifu Sergio
Iadarola e sua IWKA, com seus estudos e pesquisas do WT e artes relacionadas
pelo mundo, mantendo vivo e mostrando com amplitude o sistema, nas suas várias linhagens
e possibilidades. Eis a importância de se estudar, além
do quesito técnico e cíclico, a história, a filosofia (seus conceitos e
formas), e as inúmeras possibilidades que uma arte tão sofisticada e sempre
atual como o WT nos oferece.
Herman G. Silvani (professor/instrutor da AFWK – Associação Fluir
Wing Tjun Kung Fu)
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