Não raramente alguns fatores levam ao
descrédito e ao distanciamento de muitas pessoas as artes marciais no Brasil (e
pelo mundo), aumentando a ignorância e o preconceito sobre esta prática, onde
muitas pessoas não sabem realmente do que se trata, apenas reproduzem o que
acreditam ou absorvem a partir da publicidade ou de acontecimentos sobre o
assunto. Um deles, é o fato de que alguns praticantes e mesmo professores
(instrutores ou mestres), se colocam como ‘donos da verdade única e absoluta’
(e muitas vezes ‘autoritários’ – não ‘autoridades’), sendo egocêntricos e
arrogantes, mas achando que são ‘sábios’, quando não passam de medíocres. Isso
acaba diminuindo significativamente a dignidade que deve existir numa arte
marcial que se preze sincera, coerente com a realidade, enquanto conhecimento
humano. Outro fator que deprecia muito, e às vezes torna a arte marcial piada
ou sinônimo de violência, é o mau uso que se faz dela, onde se condiciona o
aluno, se ‘ensina’ simplesmente técnicas, sem o estudo aprofundado dos
conceitos e/ou da filosofia da arte (conhecimentos que se integram e se aplicam
no real), acrescendo assim o ego do estudante/praticante, onde sua conduta social
parte do seu eu, do seu umbigo, em que, músculos e estereótipos dão o tom da
sua postura e/ou prática social. Isso é muito comum no meio dito ‘marcial’. Mas
um dos fatores que mais me chama a atenção é o fator ‘publicitário’, ou seja, o
‘discurso’ que se faz acima daquilo que se divulga, melhor, neste caso, se ‘vende’.
Na maioria dos casos este ‘discurso’ é falacioso, ou seja, mentiroso. Exemplos
não faltam - no que chamo de ‘discurso do guerreiro’- aquele discurso ‘motivador’, que soa como uma
‘teologia’ aos ouvidos do receptor passivo das ‘verdades’ ditadas pelos ‘mestres
da falácia’. Nisso, um dos maiores ‘chavões publicitários’ usados para
convencer e muitas vezes ludibriar o ‘consumidor’ é o da ‘defesa pessoal’ ou da
‘auto-defesa’, muito comum, por exemplo, relacionado ao método (ou ‘estilo’, ou
‘arte marcial’?) criado militarmente em Israel, chamado de Krav Maga. No Brasil
o KM (abreviação) se tornou quase que sinônimo de ‘defesa pessoal’. Mas, é de
fato? Depende! Do que? De muita coisa! Ou seja, isso é muito relativo (tanto
que a discussão precisa ser aprofundada – não cabendo aqui-agora). O que sei, é
que, muito do que se discursa e se vende de ‘defesa pessoal’, não é. Socos,
chutes, torções, etc., não significam garantia de defesa. É preciso muito mais
que isso para se ter um mínimo de condições para uma ‘auto-defesa’ que funcione
dentro da realidade ou situação, e tudo não começa pela técnica marcial
(ataque), mas pela ‘sensibilidade’, percepção, intuição, visão. Mas, os
vendedores do produto ‘defesa pessoal’ trabalham na lógica da ‘propaganda
enganosa’, ou seja, mais discurso e técnica publicitária de venda a partir de
uma motivação (teológica) do que realidade, sinceridade ou honestidade. Dito
isso, vamos à um exemplo deste ‘discurso’ encontrado junto a um vídeo de uma
escola da arte em questão:
“ATENÇÃO:
ESSE VÍDEO CONTEM CENAS FORTES DE KRAV MAGA EM (nome da cidade e Estado) -
BRASIL.
Não
assista se não quiser ficar decepcionado com outros treinamentos de defesa
pessoal.
Krav
Maga Israelense!
As
melhores unidades de elite do mundo praticam, agora só falta você!”
* Obs.:
preservo o nome da associação ou escola e da cidade para não gerar algo a mais
do que esta discussão, sendo que o objetivo não é detratar, apenas possibilitar
o contraponto.
Tudo
bem se o discurso fosse coerente com a realidade, mas não é. Para quem estuda,
pratica, conhece, tem a arte marcial incorporada na sua vida (para além do
estereótipo, do ‘negócio’ ou do ‘status’) não é tão simples assim - nem o conteúdo
do vídeo em questão (como tantos) é coerente com o que se discursa na
propaganda escrita.
O
ego prepotente ‘combatido’ pelas mais profundas filosofias e práticas marciais
do mundo - ou, a contradição:
“Não
assista se não quiser ficar decepcionado com outros treinamentos de defesa
pessoal.”
Este
trecho demonstra a arrogância, a prepotência (ou ‘malandragem’) típica de um
dirigente ou ‘mestre’ desequilibrado – ou mero comerciante? -, ou seja, o ‘ego’
do mesmo (representado pelo excesso de ‘confiança’ – ou discurso
publicitário?!) não é coerente com uma prática marcial digna (que considere
seus fundamentos), pois, a filosofia por trás desta arte deve ser considerada,
respeitada, no mínimo, e praticada, caso contrário, a arte passa a ser um mero produto
comercial (como se constata quando se tem um discurso desses e vídeos cheios de
‘clichê marcial’ e/ou estereótipos, o que acaba por detratar a arte marcial).
“As melhores unidades de elite do mundo praticam, agora só falta
você!”
Este trecho acaba reiterando a falácia e prepotência do trecho anterior,
e revelando a intenção quando o convite vem com a ‘imposição’ do discurso
propagandista anterior, em outras palavras dizendo que ‘os outros são
inferiores, pois decepcionam’ e na sequência ‘os melhores praticam o nosso’.
Não é a primeira propaganda que vi que não respeita e pratica a ‘ética’
marcial. E cá entre nós, neste mundo dito ‘marcial’, ego é individualismo é o
que mais se vê, infelizmente, contradizendo(se) daquilo que é essencial numa ‘arte
marcial’, o ‘equilíbrio’ de estar e ser. Talvez falte leituras, filosofia,
conceitos, práticas que integrem-se. Como é historicamente, é na filosofia
taoista e budista, por exemplo, que muitos destes conceitos, destes
discernimentos, destas ‘essências’, se encontram. O problema é que muitos ‘mestres’
e associações ou escolas fecham os olhos para isso (não estudam), reduzindo-se
assim em meros reprodutores tecnicistas donos dos seus espaços de comercio ou
fabricação de egos danificados pelo negócio ou pelo status de estar, mas não realmente
ser.
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