domingo, 17 de junho de 2018

A arte da aproximação no Kung Fu

(análise a partir de ‘A arte da guerra’ de Sun Tzu)

O sistema Wing Tjun (Wing Chun e/ou o Weng Chun Kuen), também é conhecido como a ‘arte da aproximação’. Neste(s) sistema(s) se parte de uma distância para se chegar à outra, ou seja, do espaço maior para o menor, numa ação de contra-ataque (característica do sistema). Sei que outros estilos ou escolas de Kung Fu também partem deste princípio e agem neste sentido, portanto, esta análise e/ou problematização, vai além do sistema WT.

"Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais perto ainda" (Tao Te Ching - Lao Tse)

Referente ao título deste texto, a problemática que trago diz respeito à alguns praticantes e escolas que interpretam e praticam como se a ‘distância curta’ fosse a única possível, ‘engessando’ assim o WT, que pode (ou é) muito dinâmico e rico em possibilidades. Manter-se próximo demais, em muitos casos, pode ser uma atitude um tanto arriscada (senão equivocada) deste pensamento e desta ação. No nosso ‘modo’ (Fluir Wing Tjun), partimos da ‘distância média’ dentro da ação, para, daí sim, o encurtamento. Mas para isso, é fundamental o conceito de ‘ponte’. ‘Criar uma ponte’ significa chegar com seu membro no membro do oponente, porém, não é simplesmente isso. É necessário, nesta ação, ter conhecimento e domínio técnico da ‘aderência’ ou ‘colagem’. Ou seja, é fundamental ‘controlar’ o oponente através do controle ou domínio da ‘ponte’, tendo a ponte para si, pois ela serve para ambos, portanto, podendo ser dos dois. Aí, além do conhecimento e domínio (teórico e prático) do conceito, outro fator impreensindível é a habilidade que faz chegar antes.

Geralmente, os ‘contra-ataques’ mais efetivos e contundentes do WT partem da ‘distância curta’, algo típico do sistema. Mas, penso que existe uma confusão quando se afirma isso sem o devido contexto, sem as devidas técnicas e abordagens do tema, que é maior do que simplesmente ter esta distância como algo único à ser pensado e praticado. Para ser efetivamente ‘defensivo’ (ou seja, ser uma ‘auto-defesa’ – falo aqui em proatividade, no caso, antecipação), é necessário antes ter uma boa sensibilidade e visão (questão de ‘inteligência marcial’ e/ou estratégia). Na importante obra ‘A arte da guerra’, Sun Tzu ensina que “é melhor ganhar a guerra antes mesmo de desembainhar a espada”. Ou seja, ‘a melhor vitória é aquela que se vence sem precisar lutar’. E isso é que é ‘defensivo’, no seu sentido mais ‘puro’. Quando se necessita usar o corpo para se defender e atacar, já não se é mais tão defensivo quanto comumente se diz ou se vende no discurso publicitário de algumas academias ou escolas marciais por aí. Porém, às vezes, o uso do corpo pode acontecer. Por isso, precisamos praticar a modo de estarmos preparados também para o uso técnico e consciente das habilidades que são possíveis pelo bom uso dos movimentos corporais (e da ‘inteligência marcial’ que é estratégica e sensível). Quando as habilidades físicas e técnicas estiverem mais aprimoradas, técnica e consciência se tornam ‘naturais’, ou seja, passamos a ter os movimentos e o uso da energia (força interna-externa) como algo ‘natural’, como se fossem ‘automáticos’, sem que precisemos pensar muito. Aí o corpo e seus movimentos passam a ter o importante ‘equilíbrio’ com a mente e a energia. Mente e corpo relaxados e flexíveis, dinâmicos. Energia bem utilizada. E é isso que a prática bem orientada, concentrada, aprofundada, dinamizada, flexível, gera: ‘fluência e habilidade’ (além do bom uso da energia interna que diminui consideravelmente o desgaste e a força físicos).

No Capítulo VII, de ‘A arte da guerra’, intitulado ‘Da arte do confronto’, Sun Tzu anotou que “é preciso tornar próximo o que está distante”. E é aqui que entra a habilidade já comentada acima, de saber lidar com as duas ‘distâncias de ação’ (considerando o conceito taoista de ‘não-ação’ e do próprio Wing Tjun de ‘não-luta’). No mesmo capítulo, o mestre Tzu continua: “É preciso estares perto quando o inimigo acredita que estás longe; (...) atacá-lo quando ele menos espera, e sem que ele possa reagir.” Aí entra a habilidade desenvolvida com a prática e o conhecimento do conceito e domínio da ‘ponte’ na prática. Também trabalhamos aqui com o conceito de ‘vento’ ou ‘fogo’ (elementos simbólicos a partir da natureza), estudados e praticados em algumas escolas de Kung Fu e/ou WT, como ‘intensidade’ (que se integra com velocidade) dos movimentos e aplicações (ataques e defesas). Neste mesmo contexto, Tzu segue dizendo que é fundamental “te manteres em constante vigilância para não seres surpreendido, (...) para aproveitar o momento exato de surpreender o adversário.” Em outro momento, continua: “Se for preciso ficar firme em teu posto, fica imóvel como uma montanha. Se tiveres que sair para pilhar, age rápido como o fogo (...) como o relâmpago.” Aqui aplicamos outro conceito de cunho taoista, a ‘atenção plena’ ou ‘consciência plena’, que acontece a partir das práticas de Chi Kung e meditação, o que também chamamos de ‘mergulho no vazio’ (além do elemento de intensidade ‘fogo’, já citado acima). Depois chama a atenção: “Evita movimentos inúteis”. Aqui uma concepção presente no sistema WT, o de ‘economia de movimentos’, que se aproxima ao conceito taoista de ‘equilíbrio’ (‘nem muito, nem pouco, o suficiente’), assim como o budista de ‘o caminho do meio’. Ambos aplicáveis e substantivos, neste caso.

A partir do conceito de ‘ponte’, ‘dissimulamos’. Ou seja, aplicamos contra-golpes ‘invisíveis’ ao oponente, através de caminhos inusitados, da ‘inteligência marcial ou estratégica’, e mais que isso, através da ‘naturalidade’ dos movimentos físico-corporais, adquiridos pelos estudos teórico-conceituas e pela prática. Referente a isso, Tzu nos diz: “Assim, elege uma via indireta e confunde o inimigo, enganando-o. Dessa forma, poderás colocar-te a caminho depois dele e chegar antes. Aquele que for capaz disso, compreende o significado da abordagem direta e indireta.” Relacionamos isso com a ideia estratégica de que ‘ponte feita ou aberta, entra, ponte fechada, dissimula para que se abra, uma vez aberta, não hesite, entra’. Por fim, referente a ‘arte da aproximação’, Tzu nos ensina que “Quem conhece a arte da aproximação direta e indireta será vitorioso. Eis a arte do confronto.” (ver Capítulo V de ‘A arte da guerra’: ‘Do confronto direto e indireto’).

Portanto, para o ‘confronto’ ser uma ‘arte’, deixando de ser apenas um mero confronto - ou um risco, e ser antes uma ‘auto-defesa’ (proatividade), é importante, no mínimo, que se pense e que se tenha certo domínio dos conceitos e elementos tratados acima. 



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