O que é ‘modo’?
Um mesmo estilo
ou sistema de Kung Fu, pode ter práticas (‘modos’ de se fazer algo) distintas,
diferentes entre si. A diferença existente entre uma e outra ‘linhagem’ dentro
de um mesmo sistema ou estilo, é o que chamamos de ‘modo’.
Modo, estilo, sistema e linhagem
Um ‘estilo’ é
composto de características, aspectos e/ou elementos que o são próprios, e tem
fundamental papel na definição de algo. Em se tratando de Kung Fu, são vários e
vários estilos desta ‘arte marcial’ chinesa existentes. Relacionado a isso,
também temos o ‘sistema’. Estilo e sistema podem ser usados de forma similar
para localizar um tipo de Kung Fu composto de características próprias. E são
estas características que, por sua vez, definem o estilo ou sistema. Dentro
destas definições e conceitos, também temos os ‘modos’ que, basicamente são
‘formas diferentes’ de se praticar ou se conceber um mesmo sistema ou estilo.
Ou seja, dentro do sistema ou estilo, existem ‘modos’ diferentes de se praticar
ou conceber este próprio sistema/estilo. Um exemplo disso, é o caso do grande
mestre Ip Man, o mais popular dos sifu’s da história do Wing Chun. Ip Man
aprendeu WT de mais de um mestre, escola, estilo ou modo, mas o sistema era o
mesmo, ou seja: Wing Chun. A partir disso, desenvolveu sua própria metodologia
de ensino e currículo (portanto, escola), adaptando o que aprendera ao ‘seu
modo’ de praticar, conceber, fazer. Eis que ‘define’ assim um ‘modo’ dentro do
mesmo sistema (WT). Neste caso e sentido, o mestre Ip, de certa forma,
desenvolveu também um ‘estilo’, que também é um ‘modo’, próprio, seu, de
praticar, conceber e lecionar Wing Chun. Então, ‘modo’ e ‘estilo’ acabam tendo
praticamente o mesmo significado, neste caso/sentido, enquanto o ‘sistema’ é o
mesmo.
As ‘variações’ e
diferenças dentro de um mesmo sistema é o que chamamos de ‘modo’. Já o
‘estilo’, precisa de um pouco mais de substância pessoal ou própria para poder
ser considerado como tal. A diferença é mínima, mas existe – ou pode existir.
No caso, o estilo do Kung Fu é Wing Chun, que é um sistema e pode ser um modo
ou um estilo dentro deste mesmo sistema. Já a ‘linhagem’ está diretamente
ligada ao conceito de ‘herança’ e ‘família’. O que define uma linhagem então,
são as características, aspectos ou elementos próprios de um estilo e/ou modo
de um sistema ou estilo, transmitidos de geração para geração através de uma
ligação ‘familiar’, a partir de uma tradição hierárquica, como se fosse uma
corrente de relações onde se cultivam os aspectos ou características que
definem a linhagem. Nisso, o respeito e cultivo do conhecimento ancestral e
familiar é fundamental.
Voltando ao caso
Ip Man, por exemplo: este grande mestre teve bons alunos que se tornaram também
grandes mestres, a exemplo dos GM’s Wong Shun Leung, Moy Yat e Leung Ting (só
para citar três dos maiores vindos da escola Ip Man), onde cada um deles,
desenvolveu seu próprio ‘modo’ de Wing Chun, mesmo sendo frutos do mesmo
‘estilo’ ou ‘modo’, no caso, de seu mestre. Também podemos chamar isso de
‘escola’, já que ambos desenvolveram seus próprios ‘caminhos’ ou ‘modos’ dentro
do mesmo sistema (WT). Nisso, o modo Ip Man, por exemplo, é diferente do modo
Yuen Chai Wan ou Yuen Kay San, que, mesmo sendo irmãos, também são diferentes
entre si. Ou seja, muitos adaptam o sistema Wing Chun ao seu modo que acaba
sendo próprio, e que muitas vezes, acaba gerando aquilo que podemos também
chamar de ‘estilo’, onde algumas características ou elementos se mantém, outros
se assemelham, enquanto outros ainda, se diferem. Mas isso não é algo fácil de
se fazer ou se chegar, nem tão consciente. Geralmente é a necessidade que leva
a este desenvolvimento, pois é disso que se trata, de um desenvolvimento.
Alguns grandes mestres (ou mesmo estudantes talentosos e estudiosos) chegaram
nisso. Isso confere ao Wing Chun e ao Kung Fu uma diversidade de conhecimentos
e modos, fazendo dele um sistema rico ou amplo de possibilidades, o tornando
também, flexível ao diálogo com outros estilos de Kung Fu que se aproximam de
algum modo. Um fator de proximidade ou diálogo entre diferentes estilos,
sistemas ou modos, que podem convergir e se integrar entre si em alguns
contextos, são os princípios, a raiz e/ou a essência.
Como é que caminhos tão distintos, diversos ou
diferentes podem se relacionar?
Se a gente parar
para observar uma árvore, é possível perceber que a partir de um mesmo tronco,
existem galhos que vão para direções múltiplas. Um galho vai pro leste, outro
vai pro oeste, um vai pro sul, outro pro norte. Mas, na própria árvore, se
mergulharmos no interior da terra, lá existem raízes que vão para baixo, ao
invés de irem para cima. Enquanto parte da árvore fica num caminho mais
exposto, mais visível, como seu tronco e sua copa, as raízes ficam discretas,
ocultas no interior da terra. Todas estas partes da árvore, apesar de se
direcionarem para caminhos diferentes, fazem parte da mesma árvore. Mas, são
volvidas, são impulsionadas por princípios, fundamentos que, mesmo diferentes,
podem dialogar e tecerem relações mútuas. No caso da árvore, mesmo com os
caminhos difusos, ela tem a mesma ‘essência’. E é assim com o Kung Fu e seus
estilos ‘irmãos’ ou ‘familiares’.
Mesmo
conhecimentos que são muito antigos, podem ser aplicáveis nos dias de hoje.
Isso é devido ao fato desta diversidade, destes caminhos diferentes, serem
adaptáveis, do simbólico ao prático, ao real. A mutação (Kua) é fundamental
para o movimento vivo das coisas. Nisso, uma tradição, por mais fixa que ela
tende a ser, acaba, para seguir existindo, sobrevivendo, tendo que mutar, se transformar,
se adequar. Nisso é que se dá a mutação ou a integração entre diferentes
caminhos, pois, como é com árvore, eles podem chegar na mesma ‘essência’.
Herman Silvani (professor da AFWK)
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