terça-feira, 17 de julho de 2018

Modo, estilo, sistema, linhagem e Essência: conceitos importantes na vivência Kung Fu

O que é ‘modo’?

Um mesmo estilo ou sistema de Kung Fu, pode ter práticas (‘modos’ de se fazer algo) distintas, diferentes entre si. A diferença existente entre uma e outra ‘linhagem’ dentro de um mesmo sistema ou estilo, é o que chamamos de ‘modo’.

Modo, estilo, sistema e linhagem

Um ‘estilo’ é composto de características, aspectos e/ou elementos que o são próprios, e tem fundamental papel na definição de algo. Em se tratando de Kung Fu, são vários e vários estilos desta ‘arte marcial’ chinesa existentes. Relacionado a isso, também temos o ‘sistema’. Estilo e sistema podem ser usados de forma similar para localizar um tipo de Kung Fu composto de características próprias. E são estas características que, por sua vez, definem o estilo ou sistema. Dentro destas definições e conceitos, também temos os ‘modos’ que, basicamente são ‘formas diferentes’ de se praticar ou se conceber um mesmo sistema ou estilo. Ou seja, dentro do sistema ou estilo, existem ‘modos’ diferentes de se praticar ou conceber este próprio sistema/estilo. Um exemplo disso, é o caso do grande mestre Ip Man, o mais popular dos sifu’s da história do Wing Chun. Ip Man aprendeu WT de mais de um mestre, escola, estilo ou modo, mas o sistema era o mesmo, ou seja: Wing Chun. A partir disso, desenvolveu sua própria metodologia de ensino e currículo (portanto, escola), adaptando o que aprendera ao ‘seu modo’ de praticar, conceber, fazer. Eis que ‘define’ assim um ‘modo’ dentro do mesmo sistema (WT). Neste caso e sentido, o mestre Ip, de certa forma, desenvolveu também um ‘estilo’, que também é um ‘modo’, próprio, seu, de praticar, conceber e lecionar Wing Chun. Então, ‘modo’ e ‘estilo’ acabam tendo praticamente o mesmo significado, neste caso/sentido, enquanto o ‘sistema’ é o mesmo.

As ‘variações’ e diferenças dentro de um mesmo sistema é o que chamamos de ‘modo’. Já o ‘estilo’, precisa de um pouco mais de substância pessoal ou própria para poder ser considerado como tal. A diferença é mínima, mas existe – ou pode existir. No caso, o estilo do Kung Fu é Wing Chun, que é um sistema e pode ser um modo ou um estilo dentro deste mesmo sistema. Já a ‘linhagem’ está diretamente ligada ao conceito de ‘herança’ e ‘família’. O que define uma linhagem então, são as características, aspectos ou elementos próprios de um estilo e/ou modo de um sistema ou estilo, transmitidos de geração para geração através de uma ligação ‘familiar’, a partir de uma tradição hierárquica, como se fosse uma corrente de relações onde se cultivam os aspectos ou características que definem a linhagem. Nisso, o respeito e cultivo do conhecimento ancestral e familiar é fundamental.

Voltando ao caso Ip Man, por exemplo: este grande mestre teve bons alunos que se tornaram também grandes mestres, a exemplo dos GM’s Wong Shun Leung, Moy Yat e Leung Ting (só para citar três dos maiores vindos da escola Ip Man), onde cada um deles, desenvolveu seu próprio ‘modo’ de Wing Chun, mesmo sendo frutos do mesmo ‘estilo’ ou ‘modo’, no caso, de seu mestre. Também podemos chamar isso de ‘escola’, já que ambos desenvolveram seus próprios ‘caminhos’ ou ‘modos’ dentro do mesmo sistema (WT). Nisso, o modo Ip Man, por exemplo, é diferente do modo Yuen Chai Wan ou Yuen Kay San, que, mesmo sendo irmãos, também são diferentes entre si. Ou seja, muitos adaptam o sistema Wing Chun ao seu modo que acaba sendo próprio, e que muitas vezes, acaba gerando aquilo que podemos também chamar de ‘estilo’, onde algumas características ou elementos se mantém, outros se assemelham, enquanto outros ainda, se diferem. Mas isso não é algo fácil de se fazer ou se chegar, nem tão consciente. Geralmente é a necessidade que leva a este desenvolvimento, pois é disso que se trata, de um desenvolvimento. Alguns grandes mestres (ou mesmo estudantes talentosos e estudiosos) chegaram nisso. Isso confere ao Wing Chun e ao Kung Fu uma diversidade de conhecimentos e modos, fazendo dele um sistema rico ou amplo de possibilidades, o tornando também, flexível ao diálogo com outros estilos de Kung Fu que se aproximam de algum modo. Um fator de proximidade ou diálogo entre diferentes estilos, sistemas ou modos, que podem convergir e se integrar entre si em alguns contextos, são os princípios, a raiz e/ou a essência.


Como é que caminhos tão distintos, diversos ou diferentes podem se relacionar?

Se a gente parar para observar uma árvore, é possível perceber que a partir de um mesmo tronco, existem galhos que vão para direções múltiplas. Um galho vai pro leste, outro vai pro oeste, um vai pro sul, outro pro norte. Mas, na própria árvore, se mergulharmos no interior da terra, lá existem raízes que vão para baixo, ao invés de irem para cima. Enquanto parte da árvore fica num caminho mais exposto, mais visível, como seu tronco e sua copa, as raízes ficam discretas, ocultas no interior da terra. Todas estas partes da árvore, apesar de se direcionarem para caminhos diferentes, fazem parte da mesma árvore. Mas, são volvidas, são impulsionadas por princípios, fundamentos que, mesmo diferentes, podem dialogar e tecerem relações mútuas. No caso da árvore, mesmo com os caminhos difusos, ela tem a mesma ‘essência’. E é assim com o Kung Fu e seus estilos ‘irmãos’ ou ‘familiares’.

Mesmo conhecimentos que são muito antigos, podem ser aplicáveis nos dias de hoje. Isso é devido ao fato desta diversidade, destes caminhos diferentes, serem adaptáveis, do simbólico ao prático, ao real. A mutação (Kua) é fundamental para o movimento vivo das coisas. Nisso, uma tradição, por mais fixa que ela tende a ser, acaba, para seguir existindo, sobrevivendo, tendo que mutar, se transformar, se adequar. Nisso é que se dá a mutação ou a integração entre diferentes caminhos, pois, como é com árvore, eles podem chegar na mesma ‘essência’.

A partir da orientação filosófica taoísta, partimos da essência, do que é interno (do interno para o externo), buscando a essência, para poder melhor exteriorizar os caminhos, mesmo sendo eles diferentes. O que importa para nossa prática e cultivo, é a raiz, a essência, e não o que é aparente. Isso também gera ‘dinâmica e flexibilidade’, princípios fundamentais para que conhecimentos e habilidades possam livremente Fluir. 


Herman Silvani (professor da AFWK) 



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