Não queria escrever sobre isso,
pois alguns podem interpretar de forma equivocada o que eu direi, mas, devido a
algumas indagações, o farei. Não é a primeira, e certamente nem será a última
vez, que alguém me pede sobre a diferença entre Wing Tjun e Krav Maga. Alguns veem
semelhanças, outros não, entre estas ‘artes’ ou conhecimentos. Algumas
semelhanças, em alguns aspectos, podem até existir, mas, quanto estilo,
fundamento e contexto, são bem diferentes, e até divergem em alguns sentidos. É
muito comum pessoas compararem as coisas a modo de diminuir uma e enaltecer
outra, o que vai além do exercício de distinção ou diferenciação. O que me
proponho aqui, é não reproduzir isso, mas sim, apontar algumas diferenças
significativas, baseadas em estudos, conhecimentos e percepções (isso não
descarta a possibilidade de eu estar equivocado em alguns sentidos). Destacando
que, qualquer ‘arte marcial’ ou técnica de combate ou luta, pode ser
auto-defensiva e efetiva em ação. Pode, mas não necessariamente é, pois disso,
também depende o contexto, situação, habilidade, inteligência estratégica, entre
outros elementos, envolvidos no momento da ação. Então, guardemos a
relatividade disso, e vamos à questão.
A primeira grande diferença entre
Wing Tjun (Wing Chun e Weng Chun Kuen) e Krav Maga, está na ‘origem’. Ou seja,
cada qual possui seu contexto, que é histórico (cultural/social). O WT é mais
antigo, e seu surgimento data do final do século XVII ao início do XVIII, entre
meados de 1600 e início de 1700, no sul da China, no contexto imperial da
dinastia Qing (manchus), e foi desenvolvido através do tempo, provavelmente por
mais de uma pessoa, tendo raízes em outros estilos de Kung Fu e conhecimentos ‘internos’
(artes internas). Portanto, é uma ‘síntese’ de outros conhecimentos ditos ‘marciais’
e filosóficos, dá pra se dizer também, fruto de um ‘sincretismo’, com algumas ‘inovações’
e adaptações para a realidade local (uma forte característica do sistema, sua
flexibilidade adaptativa). Foi criado secretamente para pessoas mais fracas e
menores poderem se defender de pessoas mais fortes e maiores, dado o contexto
de opressão do exército imperial ao povo civil chinês. Diferente do WT, o Krav Maga foi criado num contexto militar,
ou seja, por um soldado, em Israel na década de 1940. Também o vejo como uma
síntese de técnicas que já existiam, porém, ele despende de mais força
físico-muscular do que o WT, utilizando-se mais de sua estrutura física e
mecânica, enquanto o WT prima pelo uso da energia interna aliada a uma maior
flexibilidade (dada pelo que chamamos de ‘derretimento interno’ e ‘relaxamento
externo’). O KM, por ser criado por um soldado num contexto militar, sua ‘resposta’
na ação é mais ofensiva, no sentido de se esforçar mais para o combate (onde se
tem maior desgaste), utilizando os atributos ligados a força física, enquanto o
WT é mais ‘pontual’ e como já foi dito, flexível, ou seja, exige menos esforço
físico-muscular (isso não significa que não exija). Observação: isso tudo,
também pode ser relativo ao praticante, mas são aspectos que caracterizam os ‘estilos’
ou sistemas. No KM se usa ou se gasta mais energia, seus movimentos e
aplicações, por serem mais ‘mecânicos’, exigem maior condicionamento físico,
por mais que alguns digam que não, mas, comparado ao WT, sim. Ao contrário, no
WT não se depende muito do condicionamento físico (muscular). Ou seja, no KM o ‘porte
atlético’ é mais importante do que no WT. Com isso não estou dizendo que um
corpo sadio e forte não seja importante, só estou dizendo que num estilo ele é
mais requisitado do que no outro, isso devido aos fundamentos e características
dos estilos em questão. Um usado para se defender e combater na guerra (KM),
outro, para simplesmente se defender da guerra, da violência militar dos
soldados imperiais (WT), depois, dos atritos entre clãs e da violência urbana
que assolou a China naquele período. Resumidamente, aplicando conceitos
taoistas, eu diria que o WT é mais flexível, enquanto o KM é um tanto mais rígido
(ou ‘duro’), questão de características próprias dos estilos. Nisso, ambos
podem ser muito bons instrumentos de ‘auto-defesa’ (considerados por muitos, dos
maiores), mas isso, fique claro, é relativo ao estudante/praticante e a escola
onde se estuda/pratica. No fim das contas, além do estilo e do quesito técnico,
penso ser a habilidade e a inteligência estratégica que faz a diferença, o que
para nós, taoistas (filosoficamente falando), está diretamente relacionado a
flexibilidade de ser e estar.
Outra grande diferença é a
questão conceitual/filosófica e ‘espiritual’ (energética) que envolve estes
dois conhecimentos. O WT é um sistema proativo (antecipatório), por isso da sua
característica defensiva, que envolve, além do quesito técnico, certos
conceitos, concepções e/ou valores filosóficos, espirituais/energéticos,
culturais. Ou seja, é um sistema composto de certas práticas socioculturais, o
que aprimora os conhecimentos que caracterizam este sistema. Estes conhecimentos
aprimorados se transformam com o tempo, em sabedoria. Algumas destas sabedorias
estão dispostas nos Kuen Kuit e Wu De do sistema WT e das escolas,
linhagens e/ou famílias que cultivam esta arte, que tem vieses ou ‘modos’ diferentes de se
conceber, estudar e praticar. Ou seja, o WT não se aplica apenas na ação
combativa, de auto-defesa físico-espacial, mas em outros vários aspectos da
vida diária, justamente por ser um conhecimento constituído de uma longa
história e a partir de certos fundamentos filosóficos, sociológicos,
antropológicos e espirituais. Por isso ele é, além de um sistema, uma arte, um
conhecimento, uma cultura. O KM também tem seu lado conceitual e espiritual (ou
‘espirituoso’), mas não com tanta ênfase filosófica (sob tudo na questão ‘energética’,
que é da tradição chinesa, muito presente nos conhecimentos budistas e taoistas),
tanto que, alguns professores e praticantes, não o consideram um sistema ou uma
arte, mas sim, um método. Isso não descarta a possibilidade de aspectos e
conhecimentos do KM poderem ser aplicados na vida cotidiana.
Em suma, na prática e a grosso
modo, comparando, vejo o WT como algo mais dinâmico e flexível, no sentido de
aplicação na vida diária, para além do seu quesito ‘marcial’, além de ser mais
flexível na sua aplicação em combate, enquanto o KM se utiliza mais da força
físico-muscular, utilizando-se mais da mecânica. Mas, como eu já disse aqui,
isso também vai depender do modo com que a escola, mestre, professor ou
praticante concebe e estuda/pratica. Não há uma regra fixa, apenas levantei
algumas características que compõem tais estilos, diferenciando-os, a partir do
meu conhecimento e percepção. Outra importante questão que deve ser
considerada, é a existência dos estereótipos. Ou seja, nem todo WT, nem todo KM
são de fato aquilo que o discurso publicitário diz. Existe, infelizmente, muito
estereótipo e comércio acima destes conhecimentos, o que muitas vezes os tornam
produtos e espetáculos midiáticos, distorcendo o que estes conhecimentos tem
para contribuir para uma existência mais proativa e pacífica ou espirituosa. A
questão é, o que for fazer, faça com amor, guiado/a pela necessidade, e deixe
fluir...