quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Wing Tjun e Krav Maga: algumas diferenças


Não queria escrever sobre isso, pois alguns podem interpretar de forma equivocada o que eu direi, mas, devido a algumas indagações, o farei. Não é a primeira, e certamente nem será a última vez, que alguém me pede sobre a diferença entre Wing Tjun e Krav Maga. Alguns veem semelhanças, outros não, entre estas ‘artes’ ou conhecimentos. Algumas semelhanças, em alguns aspectos, podem até existir, mas, quanto estilo, fundamento e contexto, são bem diferentes, e até divergem em alguns sentidos. É muito comum pessoas compararem as coisas a modo de diminuir uma e enaltecer outra, o que vai além do exercício de distinção ou diferenciação. O que me proponho aqui, é não reproduzir isso, mas sim, apontar algumas diferenças significativas, baseadas em estudos, conhecimentos e percepções (isso não descarta a possibilidade de eu estar equivocado em alguns sentidos). Destacando que, qualquer ‘arte marcial’ ou técnica de combate ou luta, pode ser auto-defensiva e efetiva em ação. Pode, mas não necessariamente é, pois disso, também depende o contexto, situação, habilidade, inteligência estratégica, entre outros elementos, envolvidos no momento da ação. Então, guardemos a relatividade disso, e vamos à questão.

A primeira grande diferença entre Wing Tjun (Wing Chun e Weng Chun Kuen) e Krav Maga, está na ‘origem’. Ou seja, cada qual possui seu contexto, que é histórico (cultural/social). O WT é mais antigo, e seu surgimento data do final do século XVII ao início do XVIII, entre meados de 1600 e início de 1700, no sul da China, no contexto imperial da dinastia Qing (manchus), e foi desenvolvido através do tempo, provavelmente por mais de uma pessoa, tendo raízes em outros estilos de Kung Fu e conhecimentos ‘internos’ (artes internas). Portanto, é uma ‘síntese’ de outros conhecimentos ditos ‘marciais’ e filosóficos, dá pra se dizer também, fruto de um ‘sincretismo’, com algumas ‘inovações’ e adaptações para a realidade local (uma forte característica do sistema, sua flexibilidade adaptativa). Foi criado secretamente para pessoas mais fracas e menores poderem se defender de pessoas mais fortes e maiores, dado o contexto de opressão do exército imperial ao povo civil chinês. Diferente do WT,  o Krav Maga foi criado num contexto militar, ou seja, por um soldado, em Israel na década de 1940. Também o vejo como uma síntese de técnicas que já existiam, porém, ele despende de mais força físico-muscular do que o WT, utilizando-se mais de sua estrutura física e mecânica, enquanto o WT prima pelo uso da energia interna aliada a uma maior flexibilidade (dada pelo que chamamos de ‘derretimento interno’ e ‘relaxamento externo’). O KM, por ser criado por um soldado num contexto militar, sua ‘resposta’ na ação é mais ofensiva, no sentido de se esforçar mais para o combate (onde se tem maior desgaste), utilizando os atributos ligados a força física, enquanto o WT é mais ‘pontual’ e como já foi dito, flexível, ou seja, exige menos esforço físico-muscular (isso não significa que não exija). Observação: isso tudo, também pode ser relativo ao praticante, mas são aspectos que caracterizam os ‘estilos’ ou sistemas. No KM se usa ou se gasta mais energia, seus movimentos e aplicações, por serem mais ‘mecânicos’, exigem maior condicionamento físico, por mais que alguns digam que não, mas, comparado ao WT, sim. Ao contrário, no WT não se depende muito do condicionamento físico (muscular). Ou seja, no KM o ‘porte atlético’ é mais importante do que no WT. Com isso não estou dizendo que um corpo sadio e forte não seja importante, só estou dizendo que num estilo ele é mais requisitado do que no outro, isso devido aos fundamentos e características dos estilos em questão. Um usado para se defender e combater na guerra (KM), outro, para simplesmente se defender da guerra, da violência militar dos soldados imperiais (WT), depois, dos atritos entre clãs e da violência urbana que assolou a China naquele período. Resumidamente, aplicando conceitos taoistas, eu diria que o WT é mais flexível, enquanto o KM é um tanto mais rígido (ou ‘duro’), questão de características próprias dos estilos. Nisso, ambos podem ser muito bons instrumentos de ‘auto-defesa’ (considerados por muitos, dos maiores), mas isso, fique claro, é relativo ao estudante/praticante e a escola onde se estuda/pratica. No fim das contas, além do estilo e do quesito técnico, penso ser a habilidade e a inteligência estratégica que faz a diferença, o que para nós, taoistas (filosoficamente falando), está diretamente relacionado a flexibilidade de ser e estar.

Outra grande diferença é a questão conceitual/filosófica e ‘espiritual’ (energética) que envolve estes dois conhecimentos. O WT é um sistema proativo (antecipatório), por isso da sua característica defensiva, que envolve, além do quesito técnico, certos conceitos, concepções e/ou valores filosóficos, espirituais/energéticos, culturais. Ou seja, é um sistema composto de certas práticas socioculturais, o que aprimora os conhecimentos que caracterizam este sistema. Estes conhecimentos aprimorados se transformam com o tempo, em sabedoria. Algumas destas sabedorias estão dispostas nos Kuen Kuit e Wu De do sistema WT e das escolas, linhagens e/ou famílias que cultivam esta arte,  que tem vieses ou ‘modos’ diferentes de se conceber, estudar e praticar. Ou seja, o WT não se aplica apenas na ação combativa, de auto-defesa físico-espacial, mas em outros vários aspectos da vida diária, justamente por ser um conhecimento constituído de uma longa história e a partir de certos fundamentos filosóficos, sociológicos, antropológicos e espirituais. Por isso ele é, além de um sistema, uma arte, um conhecimento, uma cultura. O KM também tem seu lado conceitual e espiritual (ou ‘espirituoso’), mas não com tanta ênfase filosófica (sob tudo na questão ‘energética’, que é da tradição chinesa, muito presente nos conhecimentos budistas e taoistas), tanto que, alguns professores e praticantes, não o consideram um sistema ou uma arte, mas sim, um método. Isso não descarta a possibilidade de aspectos e conhecimentos do KM poderem ser aplicados na vida cotidiana.

Em suma, na prática e a grosso modo, comparando, vejo o WT como algo mais dinâmico e flexível, no sentido de aplicação na vida diária, para além do seu quesito ‘marcial’, além de ser mais flexível na sua aplicação em combate, enquanto o KM se utiliza mais da força físico-muscular, utilizando-se mais da mecânica. Mas, como eu já disse aqui, isso também vai depender do modo com que a escola, mestre, professor ou praticante concebe e estuda/pratica. Não há uma regra fixa, apenas levantei algumas características que compõem tais estilos, diferenciando-os, a partir do meu conhecimento e percepção. Outra importante questão que deve ser considerada, é a existência dos estereótipos. Ou seja, nem todo WT, nem todo KM são de fato aquilo que o discurso publicitário diz. Existe, infelizmente, muito estereótipo e comércio acima destes conhecimentos, o que muitas vezes os tornam produtos e espetáculos midiáticos, distorcendo o que estes conhecimentos tem para contribuir para uma existência mais proativa e pacífica ou espirituosa. A questão é, o que for fazer, faça com amor, guiado/a pela necessidade, e deixe fluir...




Nenhum comentário:

Postar um comentário