segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O impacto ‘estético’ na concepção de arte marcial

Arte marcial é um conceito ocidental genérico para definir uma prática que, comumente está associado à luta, seja ela defensiva, esportiva ou mesmo em meio a conflitos ou guerras (menos usual hoje em dia). A partir dele, conseguimos minimamente localizar o assunto que, enquanto professores, mestres e/ou praticantes (também entusiastas) de alguma ‘arte marcial’, nos diz respeito. E quando o assunto é este, são várias as leituras, interpretações - e também ignorâncias em torno.


Quando falamos em arte marcial, logo nos vem à mente, além do que se conhece ou se sabe, a localização ou leitura estética de um estilo. Ou seja, imagens que mais ou menos podem referenciar um estilo de arte marcial, mas não necessariamente defini-lo. E é justamente aí que está a problemática ou questão. Há um grande ‘impacto estético’ na concepção de arte marcial, ou seja, uma ‘aparência’ que, para muitos (os menos aprofundados, criticamente falando), define, não só o que compreendem enquanto arte marcial, mas, sob tudo, seus ‘olhares’ sobre. Nisso, é muito comum de se ver por aí, na rede social, por exemplo, discussões sobrecarregadas de pré-conceitos quanto ao fator ‘externo’ (aparente e/ou estético) de um estilo, uma arte, assim como, e principalmente, das particularidades, geralmente desconhecidas, de tal e qual sistema ou estilo de arte marcial, onde o público (os que assistem ou veem – mas não necessariamente interpretam, compreendem e conhecem) julga equivocadamente o que veem ou viram, geralmente de forma reducionista e determinista, aquilo que não sabem ou conhecem. Isso acontece devido a certa ‘cultura do olhar’ que, durante anos, décadas e séculos, foi construída a partir de crenças e ‘autodefesas’ (muitas vezes paranoicas) que, não passam de ‘vícios mentais’, o que também podemos chamar de ‘vícios do olhar’. Estes vícios fazem com que muitos julguem, critiquem, abominem um estilo, sistema, ‘modo’, prática, conhecimento marcial, a partir de um critério meramente estético. Ou seja, não sabem, não conhecem, nunca viram (muitas vezes nem falar), mas julgam, ‘viciados’ que estão em fazê-lo, pois parte das suas visões, entendimentos e/ou conhecimentos partem de ‘estereótipos’ criados seja pelos meios de comunicação de massa (novela, cinema, discursos jornalísticos superficiais, etc.), por certa prevalência de certo ‘machismo’ (enquanto cultura masculina ou masculinizada, historicamente e ocidentalmente constituídas, de ‘autodiscurso, prova de poder, força e conhecimento’, mesmo que estes sejam frágeis e sem fundamento algum) ou pela ‘negação do diferente’ em benefício da crença ou ideologia próprias – em suma, por certa ‘educação’.

Não é novidade para ninguém o excesso de ‘egos’ que temos no ‘meio marcial’. Isso, de certa forma, explica e fundamenta o que digo sobre as ‘heranças’ masculinas ‘machistas’ de valorização inconsciente dos estereótipos e/ou das aparências. Ou seja, da ‘estética’. Sim senhores, homens acreditam, pré-definem, escolhem e julgam muita coisa pela estética. Nisso, aquilo que for mais ‘esteticamente convincente’ para estes homens, na demonstração de força muscular ou dureza dos golpes, por exemplo (mesmo que por trás desta aparência esteja toda a fraqueza do mundo), assim como, aquilo que for mais ‘mecânico’ e ‘formal’, geralmente é atribuído por estes ‘leitores machos’ (porque a prática está além da leitura), como ‘melhor’ ou ‘mais verdadeiro, original, puro’, etc., quando na verdade, a coisa é muito mais dinâmica e profunda que isso.

Em suma, o ‘impacto visual e/ou estético’ levado por uma ‘cultura das aparências’ (onde o ego e a vaidade são fortes características), faz com que os ‘estereótipos’ (e não a realidade) sejam mais aceitos e valorizados do que a própria realidade em si, pois, nem sempre ela, a realidade, é vista com olhos de quem experimenta, prova, vivencia, conhece, sabe, mas, apenas, de quem simplesmente ou meramente vê - e nem tudo o que o ‘olhar’ vê, é (viciado que é geralmente o olhar historicamente e esteticamente constituído ou construído). 

Portanto colegas professores, estudantes ou praticantes, quando formos olhar para algum sistema, estilo, movimento, postura, ifu (uniforme), símbolo, etc., cuidemos para não cair em reducionismo e contradição (algo muito, mas muito comum neste meio) e questionar, criticar ou julgar, não o conhecimento em si, mas a aparência. Isso é pré-conceito, ignorância que denota falta de conhecimento e de equilíbrio, algo de muito valor para quem realmente compreende, conhece e busca na sua prática ou vivência cotidiana dentro de uma arte marcial digna de sê-la, lembrando que, somos nós, os praticantes, os viventes, que dignificam ou não aquilo que dizemos praticar ou viver, e é este discernimento que diferencia um sábio de um mero reprodutor.

Herman Silvani (professor de filosofia, história, sociologia, linguagens, Chi Kung e Wing Tjun Kung Fu na AFWK)



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