sábado, 15 de dezembro de 2018

Diversidade religiosa e de pensamento: o que vejo atualmente no Brasil?

O que vejo, com certa tristeza, é um país governado pela ignorância, exploração alheia, intolerância e determinismo. Além de muito preconceito, discriminação, ódio, violências. E que tudo isso pode piorar num futuro não tão distante.  Com a eleição de Bolsonaro, se desenha um Estado conservador na ideologia ou pensamento, e neoliberal na economia. No projeto deste ‘novo-velho’ governo, o que vejo são ministérios tomados por militares e religiosos ditos cristãos, que usam politicamente o evangelho e certo discurso vitimista, em benefício próprio e dos seus, a exemplo da futura ministra Damares, para uma pasta chamada ‘Família, Mulher e Direitos Humanos’, e que também vai presidir a FUNAI.

Como professor, dado o contexto e inúmeras declarações provindas destes seres políticos, me sinto desrespeitado, desvalorizado, desconsiderado, ofendido pelo discurso vigente que a todo o momento supõe que o professor doutrina, ilude, perverte seus alunos, como se estes fossem ‘frascos vazios’ sempre prontos para serem cheios, e o professor um ser ordinário, como um doutrinador qualquer que abusa de seus fiéis, como é muito comum, infelizmente, em várias igrejas do Brasil. Porém, felizmente, grande parte da população não pensa nem age assim.

Como taoista (filosoficamente falando) sou minoria. Respeito todas as manifestações religiosas e filosóficas que se dignificam a partir de princípios humanizados, no sentido de respeitar a diversidade e a natureza. Mas, certo discurso de tom fanático extremista ou fundamentalista cristão (ou dito cristão), está causando sérias distorções e divergências no mundo das crenças e dos fundamentos filosóficos. Um discurso que se coloca como o único e verdadeiro, diminuindo os demais e, muitas vezes, os discriminando e atacando violentamente, podendo gerar assim um grande desequilíbrio mental, cultural, social e humano. O risco de um fundamentalismo religioso que traz consigo o totalitarismo autoritário, a partir dos discursos deste nível, pode se tornar uma prática, e assim sendo, é a violência psicológica, moral e física que são os resultados desta ‘motivação’ (estes discursos são ‘motivadores’ em algum sentido), que acabam inspirando pessoas a agirem.


Taoismo em relação à crença e ao mundo

No taoismo não existe o conceito de Deus ou de uma única verdade divina provinda de um ser superior único e masculino, como é nas grandes religiões monoteístas, por exemplo, (judaísmo, cristianismo e islamismo). Mesmo porque, antes de ser tornado religião ou doutrina, o taoismo é uma filosofia, uma cultura ou conhecimento, milenar, e devido à passagem dos anos e inserções culturais, tornou-se algo heterogêneo. Não pregamos nem rezamos. Nossa prática é a de contemplação da natureza e meditação (além dos estudos, diálogos e outras práticas energéticas, físico-corporais, alimentares e de relações socioculturais). Neste sentido, praticamos mais o silêncio do que a oratória (isso não significa que somos ateus). Temos a natureza como a grande mãe, com sua energia vital e renovadora (suas mutações e fluxos), que nos permite seguir naquilo que se chama vida. Ou seja, é a própria vida e seu fluxo natural que rege nossa estada e passagem por este mundo material, onde espírito ou energia estão conectados a esta natureza maior, onde ambos, formam a vida. Por isso o conceito utilizado por nós para pensar sobre isso é o de Caminho. Respeitando as necessidades (nossas e as alheias) e a naturalidade das coisas vivas, é que caminhamos na busca do equilíbrio (outro conceito fundamental). Estar neste Caminho é viver conectado com a essência desta natureza, estar junto ou dentro dela, e assim, dentro do Tao. Tao é um ‘não-conceito’, ou seja, algo que não tem explicação racional, mas pode ser entendido de forma mais superficial, também como o próprio Caminho. Nisso, Tao é a essência e o fundamento de todas as coisas vivas, e bem por isso ele não precisa existir na racionalidade, pois ele está por dentro, e ao mesmo tempo, abraça toda a existência. Por isso não é ciência, e nem apenas uma crença, como muitos pensam. É algo que pode ser experimentado, ou seja, algo que se sente e passa a se incorporar, a partir de algumas práticas cotidianas, independente do que se acredita ou se sabe dele. Com isso, não desprezamos a crença ou fé, nem a ciência, tanto que, uma das ciências mais antigas organizadas, é a taoista. Apenas não enaltecemos isso como verdades únicas e absolutas, e bem por isso podemos divagar entre todos estes conhecimentos, respeitando-os, sem distinção. Mas isso não significa que devemos acolher tudo. O fundamentalismo extremista, seja ele religioso ou ideológico, são exemplos desta não acolhida, pois, eles se fecham em si mesmos e impõem com certa truculência aos demais e diferentes, suas vontades e desejos, o que também chamamos de vícios ou desequilíbrios. E isso vai contra a ordem dinâmica e fluente da naturalidade. Nestas imposições não há fluxo nem energia sutil vital, apenas impedimentos e impulsos para um aniquilamento a que muitos chamam de morte. Para nós, a morte é uma mutação ou transformação, pois a energia, o espírito - e o Tao, são eternos, fornecendo natureza e vida, portanto, continuidade, para todos os seres.

"Onde governa a tolerância,
O povo tem tranquilidade;
Onde governa a discriminação,
O povo tem insatisfação."

(Tao Te Ching, Lao Tse)

Em termos de vida em sociedade, o que defendemos é o respeito e a compreensão entre as diferentes culturas e/ou conhecimentos, tendo o diálogo e a retidão (ver conceito no taoismo) como instrumentos de convivência, para uma boa convivência, onde a diversidade seja um elemento de equilíbrio, fundamental para a dignidade de nossas existências.

Professor Herman Silvani.



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