sábado, 17 de janeiro de 2015

Defesa pessoal (ou auto-defesa): que conceitos são esses? – seus modos e aplicações...

“Nunca teste a profundidade de um rio com os dois pés” (Confúcio)

Durante algum tempo venho lendo, percebendo, pesquisando, estudando, praticando, acompanhando debates que envolvem esses conceitos dentro do chamado ‘mundo das artes marciais’. Praticantes, entusiastas e professores dividem opiniões sobre a questão. Para início de conversa, no mundo dos negócios e da publicidade, ‘se vende muito vinagre ruim por vinho bom’. Não me canso de ver propagandas de academias e escolas ditas de ‘arte marcial’ oferecendo o produto chamado ‘defesa pessoal’, seja em anúncios de internet, folder ou estampado em camisetas. O assunto pode ser tão relativo que suscita controvérsias e uma diversidade de opiniões. Defesa pessoal é papo furado? Apenas discurso para vender o peixe? Risco? Ou realmente funciona? Se não serve ou não funciona, porque exércitos e polícias (os mais preparados do mundo, diga-se de passagem, praticam? Treinam? Estudam?). Penso que tudo isso ou nada disso, pois tudo vai depender onde e de que forma este conceito se concebe, estuda e aplica. Cada momento é um momento específico, portanto, cada realidade tem a sua própria condição, situação ou contexto, e nenhuma é igual a outra. Em suma, aquilo a que chamamos ‘defesa pessoal’ no uso das ‘artes marciais’ para tal, pode e não pode funcionar – eis a parcela de relatividade que, em quase tudo há – porém, existem momentos na vida que não podemos contar com isso.

As situações são variadas e exclusivas, e ao contrário do que muitos reproduzem, ‘a história nunca se repete’. Temos, no máximo, semelhanças de um fato para o outro. Para não me alongar e entrar em uma nova discussão sobre o funcionamento ou não da defesa pessoal, de minha parte, como estudante/praticante/pesquisador e instrutor de Wing Tjun (sistema desenvolvido que leva em consideração certa concepção de ‘autodefesa’), parto do princípio de ‘salvaguarda do espaço, terreno ou território’.  Defender e controlar o próprio território - que é o corpo ou o espaço que o corpo ocupa, neste caso (que é o ‘oposto’ do ataque, pois no sistema W.T. só se define algum ‘contra ataque’ a partir da definição do atacante ou agressor, antes disso, não! – ou seja, contrariando um pouco a ‘lógica’ que diz: ‘a melhor defesa é o ataque’, no W.T. prefiro dizer: ‘a melhor defesa é o contra-ataque’, isso em últimos casos, pois a ‘melhor’ mesmo, é a ‘antecipação’ ou ‘prevenção’), praticando a arte marcial a partir de conceitos e possibilidades criadas, para que ‘o terreno’ ou território (corpo) seja preservado. Ter certo conhecimento e domínio do próprio corpo (e do espaço que este ocupa), da própria condição, do tempo e espaço, para que isso funcione, é fundamental. E como garantir isso? Não há uma garantia dada. Tudo se constrói na prática, no estudo. O que existem são possibilidades e/ou probabilidades. De grosso modo, digo aos colegas e alunos que, ante uma situação extrema de risco, onde se esgotem todas as possibilidades anteriores de ‘defesa pessoal’ ou ‘auto defesa’ (que não se reduz no uso do corpo – conste! – muito pelo contrário, vai além disso), é melhor saber, ter certo conhecimento e habilidade técnica, reflexiva, de noção e/ou certo domínio de tempo e espaço, do que não saber ou ter isso.

Portanto, classifiquei em estágios de possibilidades aquilo que chamo de ‘defesa pessoal’ ou ‘auto-defesa’, pensando nas ‘artes marciais’ e a partir da prática do sistema Wing Tjun, lembrando que, a ‘auto-defesa’ começa pelo uso da razão, ou seja, da consciência. Já na obra mais estudada pelos grandes estrategistas de batalhas e guerras da história, e que é utilizado também no estudo de muitas ‘artes marciais’, Sun Tzu e seu ‘A arte da guerra’ nos ensina:
“A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos” – assim como: “É melhor ganhar a guerra antes mesmo de desembainhar a espada”.

* A princípio, evitar o confronto, o envolvimento com brigas e situações de risco a integridade física é o primeiro passo a se pensar.

Estágios de possibilidades da ‘defesa pessoal’ ou ‘auto defesa’ (aos praticantes):

- Dentro da minha concepção e do grupo que instruo, aquilo que podemos chamar de ‘defesa pessoal’, se inicia no bom uso da sensibilidade, percepção, intuição, instinto e razão, sendo, a princípio, pelo conhecimento de si próprio, depois pela 'leitura' do outro e do espaço (local) e suas condições - de ambos - e do ambiente que circunda estes entes (corpos): ‘o eu e o outro’. O conjunto destas ‘habilidades’ vou chamar de ‘olhar’ (como: um ‘olhar’ apurado sobre a circunstância);
- Depois desta ‘leitura espacial inicial’, priorizar a prudência – e se necessário for, 'bater em retirada' evitando maiores problemas;
- Respeitar ou considerar a intuição, o instinto e a percepção (a natureza também nos fala);
- Controlar a respiração e assim manter o relaxamento interno e externo/físico (fundamental para manter a serenidade, a calma e não se precipitar evitando o desespero ou atitudes de risco);
- Tentar a diplomacia (diálogo – para isso é fundamental certo arcabouço de argumentos e calma);
- Utilizar-se de estratégia (usando a inteligência);
- Em caso de risco contra a integridade física, entregar os bens materiais sem resistência (em caso de assalto - sob tudo, armado), valorizando a vida sua e de seus acompanhantes, antes de tudo (pois, o que é mais importante?);
* Obs.: Não necessariamente nesta ordem (conste que isso tudo é relativo a situação).

Último estágio, encerradas as possibilidades anteriores:
- Em caso extremo, onde nenhuma das possibilidades anteriores forem possíveis, recorrer para a ‘já única’ tentativa de salvaguarda: a ação física! Mas, para isso, é necessário certo conhecimento técnico e habilidade, além da noção daquilo que citei no início destes tópicos: ‘o olhar’.

*  Em suma, o uso físico de técnicas (corpo) é o último 'recurso'. Quem vende o discurso oposto não preza pela 'auto-defesa' ou 'defesa pessoal', pois, o risco existe e as circunstâncias nunca são as mesmas. Por isso existem 'artes marciais' que vão além da 'marcialidade' (guerra). Ou seja, prezam pela 'antecipação do problema'. Aí falamos em 'artes proativas', uma arte que vai para além do combate. Uma arte aplicada na vida. E este é o caso do nosso Fluir Wing Tjun Kung Fu.



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