sábado, 10 de janeiro de 2015

Kung Fu, um caminho...


Kung Fu, que definição é essa?

Alguns pesquisadores defendem a tese de que as artes marciais, organizadas de forma ‘militar’ e ‘artística’ (movimentos coordenados) como se veem muito por aí, vieram da Índia e se difundiram e se organizaram assim na China. Convencionalmente e popularmente, o termo Kung Fu é associado a determinado estilo de luta, ou arte marcial. Um termo/conceito que se popularizou no ocidente, principalmente a partir dos filmes de luta e ação chineses e norte americanos da década de 70, sendo que na China, onde essa ‘arte’ dita ‘marcial’ se desenvolveu, os termos usados de uma forma mais geral, eram (ou são) Kuo Shu e Wu Shu. Fontes dizem que na China o uso-termo Kung Fu não era comum quando se tratava de nomear um estilo ou sistema de arte marcial. Antes disso, era (ou é) uma espécie de ‘gíria’ direcionada aqueles que eram ‘bons no que faziam’, independente da função. Algo como um elogio: ‘Esse cara é muito Kung Fu!’ (a exemplo de: ‘Esse cara é foda!’), poderia (e pode) ser dito de um jogador de tênis de mesa que se destaca em determinado torneio, ou quando um músico se mostra virtuoso no palco, entre outras infinidades de exemplos.

O significado do termo Kung Fu é variado e adquire diversas significações (conforme o contexto do uso). Isso acaba traze do algumas controvérsias comuns em debates pelo mundo das artes marciais, principalmente aqueles feitos a partir do ‘senso comum’. Das traduções ou significados mais comuns e diretos que já ouvi (ou li) são: ‘trabalho duro’, ‘tempo de habilidade’, ‘trabalho contínuo’ ou 'constante' (estas últimas as minhas preferidas - e que usamos como conceito no nosso Fluir W.T., sendo o Kung Fu um caminho e não um fim). Também já vi ‘traduções’ que traziam o significado de: ‘maestria adquirida com mérito e esforço’ ou ‘obra e força do grandioso e iluminado homem’, entre outras. Dá pra se dizer que, em todas, ou na maioria delas pelo menos, a ideia de ‘perseverança’ e ‘benevolência’ (segundo Confúcio na sua obra ‘Os analectos’, “benevolência consiste em superar o eu”) é o que resume e ao mesmo tempo aprofunda essa definição, este conceito. Um outro grande pensador, só que ocidental (trata-se de F.W. Nietzsche, um dos mais importantes filósofos modernos) vai dizer ao longo de sua obra que o ‘super-homem é aquele que supera a si próprio’. Outro pensador e conhecido como dos maiores estrategistas de guerra da história, Sun Tzu, em sua obra ‘A arte da guerra’, por sua fez anotou: “A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos”. Alguns historiadores se apoiam na versão de que o termo Kung Fu vem do nome de um dos grandes filósofos asiáticos antigos (entre 552 – 479 a.C.), responsável por incluir muito da filosofia nessa ‘arte marcial’, trata-se do chinês ‘Chiu Kung’, também chamado de ‘Kung-Fu Tzu’ ou ‘Kongfuzi’, entre outros, tendo seu nome latinizado pelos jesuítas europeus como ‘Confúcio’. Outros nomes que deram o teor filosófico e teórico a ‘arte marcial’ chinesa, tornando o chamado Kung Fu uma forma de comportamento, valores e posturas - ou um modelo de vida a ser seguido, um aparato filosófico e moral, além da marcialidade e da arte, foram o nepalês Sidarta Gautama (Buda), os chineses Lao Tsé (Taoismo), Sun Tzu (A arte da guerra) e Mêncio (confucionista), além do próprio já citado Confúcio, entre outros. A partir das filosofias ou teorias desses pensadores, o Kung Fu passou a ser algo que vai além da prática física e marcial.

É muito comum ainda hoje discussões em torno desta ‘controvérsia’ que no ocidente (assim como é com o termo ‘arte marcial’, sendo que ‘marcial’ remete-se a ‘Marte’, deus romano da guerra) convencionou-se chamar de Kung Fu. Alguns ainda reduzem o termo a uma luta, simplesmente. Se levarmos em conta a história, os ensinamentos e importância de mestres do pensamento como os já citados anteriormente, não podemos reduzir o termo/conceito Kung Fu a, simplesmente, um estilo de luta, pois, para além da prática marcial (estratégias de combate, técnicas de luta, condicionamento físico, etc.), temos a arte, talvez o ponto menos visualizado e considerado no conceito ‘arte marcial’ por grande parte dos praticantes, e além da arte, temos a questão filosófica e teórica/conceitual, fundamentais na constituição de um aparato que vai além da prática física. Talvez um dia, num passado bem distante, o Kung Fu, já tenha sido algo mais rude, duro, hostil, inóspito, feito ou usado simplesmente para o combate em campo, para a guerra, pela luta física e estratégica. Talvez, pois esta certeza não existe.

Se vinda da Índia, provavelmente por monges budistas, e tornada mais ‘complexa’ na China, sofrendo influência da filosofia asiática, a arte marcial nunca tenha sido apenas uma luta destinada a guerra, e se por acaso assim tenha sido um dia, depois da integração da filosofia asiática antiga, com seus preceitos morais e fundamentos espirituosos, a arte marcial, com certeza, passou a ser este ‘complexo’ que é. Porém, com a ‘ocidentalização’ e ‘comercialização’ das artes marciais (o que também não é algo novo), muitos praticantes, entusiastas e até professores e mestres, reproduzem a concepção ‘reduzida’ das artes marciais, tratando-a como uma forma de luta unicamente, seja para esporte ou defesa pessoal, ignorando sua arte (linguagem física e conceitual), sua filosofia e espirituosidade.

“Se a meta de um homem é conseguir avanços de conhecimento, tanto pensamento quanto aprendizado são igualmente necessários”. (Confúcio)


Kung Fu, um caminho! 

(Kung Fu, às vezes, não é o mesmo que Arte Marcial)

Devido a alguns debates um tanto ‘desnivelados’ em torno do uso do termo/conceito Kung Fu que travei pelo mundo virtual, um dia resolvi, a modo de posição frente a isso, além da desconstrução dos conceitos, assumir a ‘noção’ de que não pratico artes marciais (ainda mais no plural), e sim Kung Fu. Ou seja, o que eu quis com isso foi dizer que, se ‘arte marcial’ se reduz a demonstração de força física ou luta, seja ela esportiva ou defesa pessoal, eu não pratico arte marcial, pratico Kung Fu, pois, nessa minha definição (e não só minha), tenho o Kung Fu como algo ‘maior’ (ou mais profundo ou complexo) do que meramente luta. Algo que não existe sem arte, filosofia, teoria, conceitos e certa espirituosidade, além da prática física (o que em momento algum é negada). Nisso, dá pra se dizer que o Kung Fu, além da prática física, é uma prática comportamental e intelectual, frente a sociedade, um postura munida de ideia e postura próprias, tendo em vista uma tal ‘benevolência’ (leia-se Confúcio e a ‘superação do eu’), ou seja, pensar e atuar tendo em vista sempre o ‘outro’. Isso deveria ensinar (e ensina os bons ‘artistas marciais’, que também são ‘filosóficos’), a ver e viver para além do ‘eu’ (‘ego’, que para alguns mestres é o ‘inimigo’ nº 1 do Kung Fu), do próprio umbigo, do egoísmo individualista, tão comum e perceptível neste mundo cartesiano utilitarista, ‘das coisas’, um mundo potencialmente comercial, onde promessas publicitárias enchem academias e criam ‘novos estilos’ que, pretensamente, discursam ‘melhorar os tradicionais’ (discurso típico ‘ocidentalizador’), e onde, muitas vezes, arte marcial é sinônimo de estupidez e incoerência. Por isso e por outras, às vezes, faço dizer que pratico Kung Fu e não artes marciais, que é um dos 'caminhos' que escolhi para viver.





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