sábado, 19 de dezembro de 2015

As artes marciais e o conservadorismo


  • Porque muitos entusiastas, estudantes/praticantes, instrutores, professores e até ‘mestres’ de artes marciais no Brasil reproduzem concepções conservadoras?
Começamos com a  questão: O que é o ‘conservadorismo’?

Termo usado para descrever posições político-filosóficas alinhadas com certas tradições ou crenças que em geral se contrapõem a mudanças ou avanços. Característica do que é conservador, avesso a mudanças. Em termos históricos o conservadorismo é uma doutrina associada à direita política que costuma defender determinadas tradições, valores religiosos e nacionalismo, como forma de manter certo padrão de pensamento e ações, geralmente formais e presos dentro de certas normas, hábitos, crenças, ideologias ou valores imutáveis de autoridade. 

A partir de leituras, alguns diálogos ou debates com praticantes, professores e mestres, e de refletir em torno de algumas publicações no mundo virtual (sob tudo na rede social), é que cheguei à questão.

Um dos grandes sentidos históricos e filosóficos do Kung Fu, assim como um dos seus maiores motivos de ser, é “parar com a guerra”. Sentido este simbolizado por uma saudação tradicional chinesa. E isso é (ou deveria ser) básico no ‘modo de vida’ que também é o Kung Fu. Porém, muito se vê ‘artistas marciais’ por aí fazendo o contrário, ou seja, promovendo ou alimentando ‘guerras’ (externas e internas) nas suas manifestações públicas (leia-se ‘guerras’ aqui, como ‘conflitos’ carregados de ‘violência simbólica’, neste caso em específico). Atitudes e posturas que amesquinham a riqueza cultural, histórica, filosófica e conceitual que é o Kung Fu em sua essência, para além de sua aparência. Seguindo certo fundamento do Kung Fu, nós, estudantes, praticantes ou professores de Kung Fu ou outras artes marciais afins, deveríamos proceder no sentido de “parar com a guerra” e não “promover a guerra”. Sobre isso, já nas escritas antigas de antigos pensadores ou sábios chineses, se propunha um equilíbrio no mundo manifestado, interna e externamente (leia-se Lao Tse, Chuang Tzu, entre outros). Isso também transparece em uma das obras mais significativas em se tratando de ‘arte marcial’, falo do livro a “Arte da Guerra” de Sun Tzu, onde ele destaca: “A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos”.

Geralmente esta característica ‘conservadora’, determinista e reducionista, de se promover guerra em nome de uma suposta ‘verdade’, está ligada as posturas ‘duras’ ou ‘rígidas’ do homem ‘militarizado’ (leia-se o termo aqui enquanto forma cultural de ser/estar), onde no ocidente, geralmente, acontece pelos ‘tecnicistas’ do Kung Fu, ou seja, àqueles que estudam somente o sentido técnico da arte, onde que, assim, vivem afastados da essência do Kung Fu, sendo que, ‘técnica não é essência, é instrumento’. Nisso, há uma diferença considerável entre técnica e sensibilidade, sendo que ambas fazem parte e constituem o Kung Fu, para além de sua popularidade espetaculosa ou caricata, ou seja, de seu estereotipo ou clichê. Mas, no Brasil (e certamente, em outras partes do mundo), muito do Kung Fu que se promove por aí é feito estereótipo ou clichê. Acontece muito com entusiastas das artes marciais se transformarem em estereótipos ou caricaturas ambulantes, sendo que, frequentadores de academias esportivas e/ou comerciais, prezam mais pelo corpo malhado, seguindo um discurso de saúde a partir da aparência e não do interior, onde se valoriza mais a estética ou somente a técnica do que a filosofia que permeia toda a prática do Kung Fu. É muito comum hoje vermos o estereotipo do corpo bem trabalhado e tatuado, além da força física aparente e por assim ser, postura impositiva, somado isso ao ego elevado, inimigo número um do Kung Fu.

Os valores intrínsecos do Kung Fu são de alto nível humano, onde o respeito, a hombridade, a serenidade, a simplicidade e a tolerância (entre outros), são questões primordiais no seu fundamento, bem diferente do que se vê muito por aí, aquele sujeito ‘machão’, durão, todo forte e com a palavra impositiva dita na vertical, algo bem comum neste mundo virtual contemporâneo onde muitos posam de sociólogos, filósofos e psicólogos, sendo que, geralmente não passam de moralistas conservadores.

Entusiastas e estudantes defendendo ‘causas’ mesquinhas ou medíocres, até se compreende, já que estão ‘estudando’ (mas não necessariamente aprendendo), mas, instrutores, professores e/ou mestres reproduzirem estas atitudes, aí já temos um problema.

No período das dinastias autoritárias e repressoras da população mais vulnerável da China antiga, monges budistas praticantes do Kung Fu do famoso templo Shaolin raramente saíam de seu habitat. Uns dos motivos destas saídas eram, em tempos de crise, fome e guerras, ajudar os mais necessitados que sofriam pelas ruas. No belíssimo filme ‘Shaolin’ de 2011, dirigido por Benny Chan, em dado momento, é narrado este fato. A própria história do Wing Chun, por exemplo, segundo alguns estudiosos, tem íntima relação com a arte, com o feminino (sensibilidade) e a ajuda aos mais vulneráveis, a partir de grupos rebeldes ou revolucionários que resistiam ao regime autoritário imperial dos manchus se sua dinastia (Qing, 1644 - 1912). Ou seja, segundo alguns estudos, tecnicamente falando, o Wing Chun foi desenvolvido para que pessoas ‘mais fracas’ pudessem se defender de pessoas ‘mais fortes’, e historicamente, como uma ‘arte de resistência’ a opressão das investidas violentas do império (leia-se que isso não tem nenhuma relação direta com a teoria marxista, foi muito antes de ela existir).

A dureza ou a rigidez de movimentos e o condicionamento físico supervalorizado, mas principalmente, a dureza ou rigidez nas concepções e certas formas de agir, são heranças militares nas artes ditas ‘marciais’ (conste que o termo ‘marcial’ é ocidental, remetendo-se a Marte, deus romano da guerra), o que difere da concepção flexível e tolerante de viver a vida, típicos do Kung Fu, concepção esta herdada das fontes filosóficas orientais, onde o taoismo e o budismo (enquanto filosofias e não religiões), por exemplo, tem fundamental papel nesta cultura (China e Kung Fu).

Pregar ou reproduzir a cultura da violência, da punição e/ou da morte não é postura de um praticante de Kung Fu que dignifica sua arte, assim como a repressão de um ditador ou o prevalecimento de um poder sobre uma carência (mais fortes sobre os mais fracos) vai totalmente ao oposto do que é o Kung Fu, no mais amplo sentido de seu termo e significação.

“Parar com a guerra” então, não é reproduzir ou posicionar-se ao lado de entidades e/ou pessoas que promovem, em ações, campanhas ou discursos, a violência, a ‘guerra’ (seja ela física, religiosa, de gênero ou ideológica). Eis que, um praticante, professor ou mestre de Kung Fu, digno de sê-lo, deve ter este discernimento, tendo uma postura serena, pacífica, humanizada, tolerante, respeitosa e inteligente frente a certas realidades e políticas estabelecidas. A crítica ou a posição podem existir, mas não devem ser odiosas, maléficas, mesquinhas, medíocres, deterministas, reducionistas. Elas devem ser profundas e equilibradas, assim como deve ser a prática de vida de quem vive o Kung Fu e não apenas o treina externamente/fisicamente. Eis a diferença de uma coisa de outra. Eis o que muitos não conseguem compreender, viciados que são em suas conveniências e egos.

"Céu e terra não tem atributos e não estabelece diferenças: tratam miríades de criaturas como cachorros de palha". (Lao Tse)

Viver o Kung Fu não é exibição nem discurso de superioridade ou ódio. Viver o Kung Fu é caminhar na vida buscando equilíbrio e participando do mundo com ‘sensibilidade’, considerando o entorno e o outro, tendo consciência que o ser humano não é superior à natureza, mas faz parte dela e, sendo assim, deve respeitá-la como tal. Em suma, somos seres da natureza, onde o Kung Fu é um ‘caminho de vida’.



quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Kung Fu, entre o dinamismo e o tecnicismo

Existem pelo mundo uma infinidade de ‘estilos’ de Kung Fu, assim como, uma infinidade de escolas, associações e linhagens desta nobre, antiga e sofisticada arte. Cada qual com suas tradições, peculiaridades e aspectos. Algumas mais ‘modernas’ outras mais ‘tradicionais’, digamos, no que concerne seguir certos padrões ou normas vindas do ‘estilo’ ou ‘modo’ familiar de se fazer (conceber, estudar e praticar). Além da ‘tradição’ das ‘linhagens’, existem aquelas que não seguem uma linhagem em específico ou exclusivamente, optando (ou por uma necessidade) por não seguirem uma única orientação (‘modo familiar’ ou ‘linhagem’). Ambos os casos podem ser interessantes e profundos – ou não. Vai depender da sinceridade para com os estudos e a arte, além do acesso e boa orientação. Ou seja, a questão é complexa e requer de cautela quando for tratada, pois, julgamentos externos não são suficientes para compreender ou caracterizar uma ou outra prática, associação ou escola.

Dito isso, vou me conter aqui em falar de uma questão que muito aflige praticantes/estudantes e entusiastas do Kung Fu. Ou seja, duas vertentes bem comuns que ora se separam, ora se fundem, em ‘linhas’ ou ‘modos’ de se conceber, estudar ou praticar Kung Fu. Uma delas, vamos chamar de ‘vertente dinâmica’, outra de ‘vertente tecnicista’ (sendo que, ‘técnica’, ambas as vertentes possuem, como algo indissociável da prática).

Vertente Dinâmica

A ‘vertente dinâmica’ é aquela que, além da técnica, preza pelo estudo filosófico/conceitual do ‘estilo’ ou ‘sistema’, onde geralmente se estuda, respeita e incorpora certa ‘espiritualidade’ (não no sentido religioso da palavra, mas de ‘estado’ existencial interno e externo – leia-se taoismo), numa prática que funde ‘mente, corpo e equilíbrio’. Nisso, o Kung Fu passa a ser algo ‘espirituoso’, além de técnico e físico-externo, onde as chamadas ‘artes internas’ tem um papel fundamental, a partir da concepção, estudo ou prática. Ou seja, do uso da chamada ‘energia Chi’ (também chamada de ‘sopro vital’ na cultura chinesa). Quando falamos em Kung Fu, falamos na China, na sua história, seus conceitos e concepções de vida, ou seja, na sua CULTURA. Nesta vertente, pensar e praticar o Kung Fu torna-se algo ‘naturalizado’ (ver conceito no taoismo - enquanto filosofia), o que passa a ser parte da vida do estudante/praticante, e não apenas uma ‘arte marcial’ como é comumente dito ou propagandeado por aí. Em síntese, o praticante de Kung Fu nesta vertente passa a ‘incorporar’ esta arte como, pelo menos, parte do seu modo de vida, de estar, pensar e viver o mundo, em relação às coisas e aos outros. Nisso, Kung Fu passa a ser algo que vai muito além da técnica e da luta ou das apresentações esportivo-artísticas. Como uma habilidade humana, o Kung Fu se estende para outras várias áreas de atuação, inclusive, como um modo de pensar e agir no mundo. Nisso, uma das distinções que caracterizam esta vertente, se dá pelo estudo e uso conceitual de alguns aspectos da filosofia oriental que constitui parte importante (ou fundamental) do Kung Fu (quando concebido, pensado e aplicando nesta vertente, é claro). Ou seja, uma ‘orientação’ existencial, mental (espiritual) e também prática (inclusive técnica, a partir de alguns conceitos traduzidos na prática efetiva do Kung Fu, conceitos estes provindos do taoismo e do budismo, enquanto filosofias e não religiões, assim como, alguns de Kung Fu-Tzu ou Confúcio, e Sun Tzu e seu ‘Arte da Guerra’). Estas ‘filosofias’ contribuem muito para uma concepção mais abrangente e, justamente, dinâmica de Kung Fu.

Vertente Tecnicista

A ‘vertente tecnicista’ é praticamente o oposto da ‘dinâmica’, sendo que, não traz em si o caráter filosófico/conceitual da primeira (ou pelo menos, quase nada dele – se pensarmos na impossibilidade do Kung Fu estar distante ou independente dos preceitos filosóficos citados acima, no caso da vertente dinâmica). Ou seja, de um modo geral, não tem o mesmo ‘espírito’ nem o dinamismo ou o aprofundamento sociocultural da primeira. Aí temos um Kung Fu geralmente mais ‘ocidentalizado’ que, em muitos casos, se assemelha a outras artes marciais onde a ‘luta’ ou as ‘competições’ esportivas são o principal objetivo (além do discurso de ‘defesa pessoal’), independente daquele velho discurso que também é um clichê, exposto em muitas academias mundo afora, de: ‘Respeito, humildade e disciplina’. Não que não exista, mas, não é bem assim ou deste jeito, pelo menos, não em todos os casos. Na vertente tecnicista se enfatiza justamente a técnica, onde ‘mente, corpo e equilíbrio’ não necessariamente são práticas fundamentais. Eu diria que, nesta vertente, em muitos casos (pois não dá para generalizar), a sensibilidade perde espaço para a dureza das relações, tanto físicas quando mentais, e o Kung Fu é visto pelo modo como é praticado, nos movimentos corporais e expressões físicas. O relaxamento e a flexibilidade (no sentido de ‘leveza’) da vertente dinâmica são feitos rigidez e determinismo na vertente tecnicista. Se compararmos com a poesia, por exemplo, a primeira (dinâmica) seria o estilo ‘verso livre’ de se escrever, onde a prioridade é o conteúdo, a profundidade e sensibilidade das imagens (corpo e movimento) e do que está sendo dito (conteúdo), e a segunda (tecnicista) seria o ‘parnasianismo’, estilo literário-poético onde se prioriza a ‘descrição’ geralmente fria de uma situação e a ‘métrica’ (técnica) na sua feitura.

Tempos atrás tive alguns diálogos ou discussões com praticantes, entusiastas e ‘mestres’ brasileiros de Kung Fu, relacionados a este tema que estou abordando agora – só que de forma bem menos profunda. Alguns deles, direta ou indiretamente, conscientemente ou não, defenderam a ‘não relação do Kung Fu com a filosofia chinesa ou oriental’ (sob tudo o budismo e taoismo), reduzindo estes ‘complexos culturais’ em religiões (a modo ocidental de pensá-las, sendo que, a questão que se põe é: ‘são essencialmente religiões ou foram tornadas religiões?’). Conste que, um destes ‘mestres’ que me disse, secamente, que ‘o taoismo não tem relação com o Kung Fu’, tem na logo marca de sua escola (e/ou empresa) o símbolo do Ying-Yang. E a coerência? Por isso e por outras, dá para se dizer que em alguns casos, como neste em específico, símbolos importantes que carregam em si significados fundamentais, muitas vezes são só adereços na ornamentação de estereótipos. Em outro caso, outro ‘mestre’, com certa arrogância se colocava na discussão defendendo a ‘pena de morte’ – detalhe: se declarava ser budista. Mais um exemplo da incoerência que existe em boa parte dos ‘artistas marciais’ brasileiros. Sua arrogância e ego inflamado superaram de longe seus argumentos (por tentar impor sua condição de ‘mestre’, por mais superficial que possa ter sido sua postura – existe aí um ‘autoconvencimento’ ou ‘orgulho vaidoso’ dado pela titulação) deu indícios claros da sua vertente. 

Em suma, penso que, infelizmente, no Brasil, parte significativa das escolas de Kung Fu que se promovem por aí, pouco ou nada diferem de algumas ‘artes marciais’ feitas meros negócios que brotam e lotam academias Brasil adentro e mundo a fora, onde o tecnicismo sobrepõe ou submete a própria profundidade e dinamismo da ‘arte marcial’, enquanto um complexo de valores e práticas, reduzindo-a a uma mera caricatura daquilo que ela deveria ou poderia ser em sua amplitude e história. Para alguns, um desrespeito cultural e histórico, ou no mínimo, uma tremenda incoerência entre discurso e prática, algo comum, muito comum, nesta realidade das aparências e autoafirmações.



"A essência da técnica não é a técnica. Técnica é instrumento". (a partir de Heidegger)



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Energia interna (a partir do fluxo de ‘Chi’) e Força física material (muscular corporal): diferença na realidade prática

Basicamente existem duas formas de se utilizar o corpo em uma ação física, dentro do tempo e espaço. Uma delas é o uso da força física material, dado pela ação do corpo a partir de sua força e resistência muscular e mecânica, outra é o uso da ‘energia interna’ (da natureza – lembrando que somos parte dela) que passa pelo corpo, a partir da concentração e fluxo do que na China é chamado de energia ‘Chi’, o ‘sopro vital’ (energia cósmica vital) no organismo, energia esta que mantém animados os corpos, fornecendo vitalidade ou energia ao que é vivo. O uso da força física geralmente é bem mais comum, pelo menos na maioria dos casos (leia-se trabalho, esportes e mesmo nos afazeres domésticos). É a força motora/muscular usada em lutas, brigas ou atos de violência física, assim como em ações ou trabalhos que exijam esforço físico. Já o uso da chamada energia interna, gerada pelo fluxo de ‘Chi’ (que também significa ‘ar’: note-se que o ar é elemento essencial da vida), na maioria das vezes é pouco notado, concebido ou assimilado, e portanto, não usado (pelo menos como poderia ser). Ou seja, a energia interna é mantenedora e potencializadora de vida, portanto, também de movimentos e suas forças, porém, pouco ou nada percebida, desenvolvida e portanto, utilizada por aqueles que precisam usar o corpo como um instrumento de defesa da vida ou dos órgãos internos. Um exemplo disso são as lutas ou esportes onde o corpo é usado ‘brutalmente’ pelo condicionamento físico, em que a força muscular e motora atua, em grande parte dos casos, decisivamente.

A partir desta breve discussão introdutória e desta ‘diferença’ entre ‘forças’ e seus usos (pois ‘energia’ neste caso, também é um tipo de ‘força’), convido a pensarmos, num primeiro momento, mais ‘matematicamente’ ou formalmente sobre estas duas formas ou modos de uso do corpo e suas ‘forças’. Pensemos então numa situação onde, de um lado, está um corpo que pesa 130 Kg (entre massa corporal e ossos), sendo parte desta massa dada pelo desenvolvimento muscular (além da estrutura física, ossos e gordura). Este corpo desfere um golpe, um soco que vem com muita força, dada pela soma entre peso, velocidade e massa (volume). Certamente dentro de dada técnica que permita um bom golpe, este será muito contundente e forte, dado a soma dos elementos que compõem o atrito ou a força frente ao alvo (ou seja, o outro corpo). De uma forma geral, é assim que a força física atua, neste sentido. Do outro lado temos um corpo menor, que pesa em torno de 65 Kg, com os mesmos elementos físicos do primeiro corpo citado, só que, com uma massa corporal bem menor. Certamente, se o golpe bem desferido do primeiro corpo atingir o segundo, este não terá chance alguma de resistir, pois, fisicamente e materialmente estes corpos são incompatíveis, dada a grande diferença entre suas estruturas. No caso, não há como o corpo menor não ser abalado pela força externa do maior. E é aí que entra o trabalho e bom uso da chamada ‘energia interna’. Se o primeiro corpo é muito mais forte e foi eficiente na sua investida, o segundo corpo sofreu o impacto e foi desmoronado pelo primeiro pois, só contava, neste caso, com sua própria estrutura física e/ou material. Muito mais leve e ‘fraco’ estruturalmente falando, não teve chances de resistir. Mesmo usando certa técnica de defesa pessoal, como um bloqueio com algum membro, este membro foi arrastado com o forte impacto, chegando até o corpo, com menos impacto é claro, mas não o evitando, e não evitando também sua derrocada. Dois corpos fortes, sadios, bem estruturados, feitos da mesma matéria, porém com pesos muito diferentes, num atrito direto, vence o maior ou mais pesado, devido a certa lei da física que trabalha com a soma dos elementos na ação. Então, a forma ‘lógica’ do menor e portanto mais frágil corpo não sofrer sua destruição é também não atuar em pé de igualdade com o corpo maior, pois, de fato, não existe, neste caso, esta igualdade físico-estrutural. Sendo assim, o corpo menor não pode resistir com as mesmas condições (pois nem as possui) do corpo maior.  Portanto, deve ele, utilizar-se de outro fator que defenda sua integridade. E este fator não é simplesmente a força física-muscular, mas sim, sua habilidade, no que diz respeito a flexibilidade do corpo. Flexibilidade esta dada pelo relaxamento físico, tanto externo quanto interno. E esta habilidade de ‘relaxamento’ e ‘flexibilidade’ (no caso, o bom uso do corpo, com consciência dele próprio e do lugar que ele ocupa no espaço), é adquirida através de técnicas, estudos ou práticas que ‘incorporam’ o uso da energia interna (‘Chi’). Eis que assim o corpo menor tem uma ‘arma’ que pode assegurá-lo de não sofrer tal investida do corpo maior. Ou seja, o revide não se dá por um simples ‘bloqueio’ dito defensivo, mas sim por um ‘desvio’ do golpe e da força vinda do corpo maior. Em nosso ‘sistema’ de W.T. chamamos este ‘desvio’ de ‘deixar passar’ ou ‘deixar ir’, a partir da habilidade adquirida pelo treino ou estudo técnico junto ao uso da energia ‘chi’ (relaxamento ou derretimento interno e externo) já citada anteriormente. Sendo esta a forma de lidar ou defender-se desta situação pensada por nós para perceber a diferença entre uma coisa e outra, sendo que, não é o ‘condicionamento físico muscular’ do corpo menor que, neste caso, vai fazer a diferença.

E sendo assim, vos falo não só a partir de estudos teóricos ou uma crença, mas também pela experiência própria (sendo que, além de praticarmos nossas técnicas a partir de situações como estas, já tive a experiência onde a defesa do meu corpo - terreno ou território - se deu justamente por certa habilidade ou conhecimento de usar a ‘energia interna’). Por isso enfatizo, estudo e trabalho com meus irmãos e/ou alunos, a busca, concentração e uso desta energia que passa por todos os corpos vivos, porém, em que nem todos os ‘corpos inteligentes’, usam. Muitos deles, nem sequer acreditam que esta energia exista, onde resumem tudo e apostam todas as suas fichas na força físico-muscular e seu condicionamento, ficando assim reféns de um limite que a própria condição físico-existencial lhes impõem, ou de uma sorte quem nem sempre os acompanha. Porém e contudo, o bom uso desta ‘energia interna’ também vai depender da prática e/ou estudo técnico ligados ao cultivo desta sabedoria, com suas estratégias, conhecimentos e habilidades, pois não falamos aqui em magia, crença ou mito, mas numa realidade nem sempre aprendida, percebida, concebida ou posta em prática. Mais que crer ou não, é preciso adquirir, incorporar ou saber. Assim o ‘sentido’ deste conhecimento passa a existir na prática cotidiana e pelo corpo, independente da sua racionalização ou crença, pois, vai muito além disso.




quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Eterna Primavera - significado(s) de Wing Tjun...

"Eterna Primavera", "Eterna Canção da Primavera", "Canção da Eterna Primavera", "Cantar à Primavera" e/ou "Linda Canção da Primavera", são alguns significados tradutórios de Wing e/ou Weng Chun (significado que também se remete às sociedades secretas, famílias e ao teatro-ópera chinês dos juncos vermelhos onde o sistema Wing Chun foi clandestinamente desenvolvido e estudado). No entanto, etimologicamente, o significado de 'Wing ou Weng' pode ser expresso por “anúncio do eterno, infinito ou perpétuo”, enquanto 'Chun'  pode representar “a superação das dificuldades iniciais para alcançar a maestria ou excelência, sob o efeito da luz”, o que é representado, no caso, pela 'primavera', enquanto anunciação do novo ou regenerado. Desta maneira, por extensão de sentido, o nome Wing Tjun conduz ao conceito de “Aprendizagem ou Arte Proativa”. 

Primavera 

Estação do ano que representa um período de 'fluência' ou 'fluxo', 'renovação' e/ou 'transformação' climática rejuvenescedora, onde a vida ou a natureza atingem novamente suas energias de criação ou restauração e continuidade. Por isso o termo "Eterna Primavera" foi utilizado pelos revolucionários chineses (etnia han) anti-Qing, que procuraram resistir aos abusos desta dinastia ou restabelecer o território chinês para si. Eis o contexto histórico do surgimento do Wing Tjun, que data do século XVII, como uma arte de resistência ao império Qing dos manchus.

A dinastia Qing (governo dos manchus), teve início quando os manchus invadiram o norte da China em 1644 e derrotaram a dinastia Ming. Qing foi a última dinastia imperial da China, precedida pela dinastia Ming e sucedida pela República da China só em 1912.

* Flor de ameixeira (chinesa): símbolo da Primavera e um dos símbolos do Wing Tjun 

A flor de ameixeira é um dos símbolos do sistema Wing Tjun de Kung Fu.  A flor de ameixeira desabrocha no rigor do inverno chinês (diga-se de passagem, onde se faz um frio extenuante e neva em demasia), agindo como um aviso de que a primavera está chegando, e com ela a renovação... 

Sejamos todos/as bem vindos para a Eterna Primavera!



domingo, 6 de setembro de 2015

'Chi', o sopro vital - energia pelos corpos e no Kung Fu

Também chamado de 'energia cósmica' e 'energia vital', no ocidente o 'chi' não tem uma 'explicação formalizada' (e muitos poucos estudos). Seu conceito transcende o racionalismo e o ceticismo materialista ocidental. Muitos acreditam que esta 'energia' ou 'força' seja apenas uma crença antiga oriental, ou um mito (sendo que mito não é uma 'mentira', mas uma 'narrativa', uma forma figurativa e/ou simbólica de expressar e/ou tentar explicar ou contar alguma coisa ou história), por não compreenderem que, nem tudo no mundo das coisas e ideias tem uma 'explicação matemática', formal, 'cientificista' ou 'racionalista'. Portanto, Chi não é mito, muito menos uma mera crença. Conceitos e formulações científico-ocidentais, como o ATP (trifosfato de adenosina) por exemplo, não são a mesma coisa que o Chi, também não desvendam ou explicam esta energia que é vítima de muitos equívocos, incompreensões ou distorções. Ou seja, pensar o Chi vai muito além do cientificismo racionalista de cunho cartesiano. * Não é porque não se possa explicar o Chi que ele não exista ou aconteça.
Dito isso, temos, por exemplo, na China, um dos menores (senão o menor) índice de doenças ou degenerações relacionadas as 'energias físicas-corporais' e de órgãos, assim como, doenças como a depressão e o câncer, por exemplo, tem índices bem menores do que no ocidente. O tempo de vida 'saudável' por lá também é maior do que aqui no ocidente. É comum vermos idosos praticando artes 'internas' e 'externas' (que são, de certo modo, indissociáveis) comoTaiji (ou Tai Chi Chuan), Chi Kung (ou Qi Gong), Kung Fu, e meditação, em meio a natureza, em suas casas, praças, crianças e jovens em escolas, etc. A questão cultural compõe o meio, onde a 'energia cósmica' do 'chi' tem relevante presença na ambientação dos lugares e espaços. Isso, interfere diretamente na qualidade de vida dos seus habitantes, somado o exterior ao interior do ser na busca do 'equilíbrio' para uma vida mais serena e energeticamente positiva. Esta 'energia' gera também 'força física', mas não uma força condicionada, refém da musculatura e da mecânica físico-corporal, mas uma força que emerge do interior para o exterior, como o exemplo que veremos em um dos vídeos dos links abaixo.
Por fim, a confusão, as controvérsias e os equívocos sobre esta 'energia', dependem muito da crença e dos valores 'pessoais' e 'culturais' de cada um, pois, de fato, o primeiro passo para que qualquer coisa funcione é depositar 'fé' nela, ou seja, 'acreditar', mas apenas isso não basta, é necessário também perceber, buscar e 'praticar', ou seja, buscar este 'caminho', que não é um fim, mas um 'caminho' (leia-se conceito taoista), e para isso, basicamente é preciso disposição para tal e perseverança, permitindo-se a experimentar, liberando as 'durezas' e 'condicionamentos' do corpo oprimido por certa tradição de cunho 'judaico-cristã' (onde o corpo é parte de um 'pecado' e de uma padronização físico-espacial - leia-se Foucault). Ou seja, a questão é complexa, porém, diferente do que muitos pensam ou falam. Não há mito nem magia nisso, apenas busca, prática, estudos e técnicas, onde 'mente, corpo e energia' possam estar equilibrados entre si, gerando algo que foge de uma explicação reducionista da natureza e sua força cósmica, onde nós, humanos, estamos inseridos, para além das aparências estético-físicas e materiais. Enfim, muito mais do que apenas 'achar' e acreditar ou desacreditar, é preciso buscar, estudar, compreender, experimentar, praticar e 'incorporar' para adquirir, tanto a fluência desta energia quanto sua percepção e controle, descobrindo onde ela atua e as mudanças que traz para a vida.
(Herman G. Silvani, estudante/pesquisador e instrutor de Wing Tjun Kung Fu - elementos internos e externos)

Nisso, os links abaixo trazem um pouco deste 'conteúdo'. Boas leituras, impressões e reflexões!


* O Chi a partir da ciência quântica: https://www.youtube.com/watch?v=lvFJPQ5v27Q

* Chi Kung - a natureza que nos circunda e sua energia, a partir de técnicas: https://www.youtube.com/watch?v=6I0rQuoBT8I

* Qi Gong e os meridianos: https://www.youtube.com/watch?v=O9OCvBu35O8

* Experiência entre 'forças': física muscular e física interna (Chi):https://www.youtube.com/watch?v=nAIDi5Nip64

* Aplicação da energia interna no Kung Fu (demonstração do mestre):https://www.youtube.com/watch?v=l7wDsaMsypk



sábado, 17 de janeiro de 2015

Defesa pessoal (ou auto-defesa): que conceitos são esses? – seus modos e aplicações...

“Nunca teste a profundidade de um rio com os dois pés” (Confúcio)

Durante algum tempo venho lendo, percebendo, pesquisando, estudando, praticando, acompanhando debates que envolvem esses conceitos dentro do chamado ‘mundo das artes marciais’. Praticantes, entusiastas e professores dividem opiniões sobre a questão. Para início de conversa, no mundo dos negócios e da publicidade, ‘se vende muito vinagre ruim por vinho bom’. Não me canso de ver propagandas de academias e escolas ditas de ‘arte marcial’ oferecendo o produto chamado ‘defesa pessoal’, seja em anúncios de internet, folder ou estampado em camisetas. O assunto pode ser tão relativo que suscita controvérsias e uma diversidade de opiniões. Defesa pessoal é papo furado? Apenas discurso para vender o peixe? Risco? Ou realmente funciona? Se não serve ou não funciona, porque exércitos e polícias (os mais preparados do mundo, diga-se de passagem, praticam? Treinam? Estudam?). Penso que tudo isso ou nada disso, pois tudo vai depender onde e de que forma este conceito se concebe, estuda e aplica. Cada momento é um momento específico, portanto, cada realidade tem a sua própria condição, situação ou contexto, e nenhuma é igual a outra. Em suma, aquilo a que chamamos ‘defesa pessoal’ no uso das ‘artes marciais’ para tal, pode e não pode funcionar – eis a parcela de relatividade que, em quase tudo há – porém, existem momentos na vida que não podemos contar com isso.

As situações são variadas e exclusivas, e ao contrário do que muitos reproduzem, ‘a história nunca se repete’. Temos, no máximo, semelhanças de um fato para o outro. Para não me alongar e entrar em uma nova discussão sobre o funcionamento ou não da defesa pessoal, de minha parte, como estudante/praticante/pesquisador e instrutor de Wing Tjun (sistema desenvolvido que leva em consideração certa concepção de ‘autodefesa’), parto do princípio de ‘salvaguarda do espaço, terreno ou território’.  Defender e controlar o próprio território - que é o corpo ou o espaço que o corpo ocupa, neste caso (que é o ‘oposto’ do ataque, pois no sistema W.T. só se define algum ‘contra ataque’ a partir da definição do atacante ou agressor, antes disso, não! – ou seja, contrariando um pouco a ‘lógica’ que diz: ‘a melhor defesa é o ataque’, no W.T. prefiro dizer: ‘a melhor defesa é o contra-ataque’, isso em últimos casos, pois a ‘melhor’ mesmo, é a ‘antecipação’ ou ‘prevenção’), praticando a arte marcial a partir de conceitos e possibilidades criadas, para que ‘o terreno’ ou território (corpo) seja preservado. Ter certo conhecimento e domínio do próprio corpo (e do espaço que este ocupa), da própria condição, do tempo e espaço, para que isso funcione, é fundamental. E como garantir isso? Não há uma garantia dada. Tudo se constrói na prática, no estudo. O que existem são possibilidades e/ou probabilidades. De grosso modo, digo aos colegas e alunos que, ante uma situação extrema de risco, onde se esgotem todas as possibilidades anteriores de ‘defesa pessoal’ ou ‘auto defesa’ (que não se reduz no uso do corpo – conste! – muito pelo contrário, vai além disso), é melhor saber, ter certo conhecimento e habilidade técnica, reflexiva, de noção e/ou certo domínio de tempo e espaço, do que não saber ou ter isso.

Portanto, classifiquei em estágios de possibilidades aquilo que chamo de ‘defesa pessoal’ ou ‘auto-defesa’, pensando nas ‘artes marciais’ e a partir da prática do sistema Wing Tjun, lembrando que, a ‘auto-defesa’ começa pelo uso da razão, ou seja, da consciência. Já na obra mais estudada pelos grandes estrategistas de batalhas e guerras da história, e que é utilizado também no estudo de muitas ‘artes marciais’, Sun Tzu e seu ‘A arte da guerra’ nos ensina:
“A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos” – assim como: “É melhor ganhar a guerra antes mesmo de desembainhar a espada”.

* A princípio, evitar o confronto, o envolvimento com brigas e situações de risco a integridade física é o primeiro passo a se pensar.

Estágios de possibilidades da ‘defesa pessoal’ ou ‘auto defesa’ (aos praticantes):

- Dentro da minha concepção e do grupo que instruo, aquilo que podemos chamar de ‘defesa pessoal’, se inicia no bom uso da sensibilidade, percepção, intuição, instinto e razão, sendo, a princípio, pelo conhecimento de si próprio, depois pela 'leitura' do outro e do espaço (local) e suas condições - de ambos - e do ambiente que circunda estes entes (corpos): ‘o eu e o outro’. O conjunto destas ‘habilidades’ vou chamar de ‘olhar’ (como: um ‘olhar’ apurado sobre a circunstância);
- Depois desta ‘leitura espacial inicial’, priorizar a prudência – e se necessário for, 'bater em retirada' evitando maiores problemas;
- Respeitar ou considerar a intuição, o instinto e a percepção (a natureza também nos fala);
- Controlar a respiração e assim manter o relaxamento interno e externo/físico (fundamental para manter a serenidade, a calma e não se precipitar evitando o desespero ou atitudes de risco);
- Tentar a diplomacia (diálogo – para isso é fundamental certo arcabouço de argumentos e calma);
- Utilizar-se de estratégia (usando a inteligência);
- Em caso de risco contra a integridade física, entregar os bens materiais sem resistência (em caso de assalto - sob tudo, armado), valorizando a vida sua e de seus acompanhantes, antes de tudo (pois, o que é mais importante?);
* Obs.: Não necessariamente nesta ordem (conste que isso tudo é relativo a situação).

Último estágio, encerradas as possibilidades anteriores:
- Em caso extremo, onde nenhuma das possibilidades anteriores forem possíveis, recorrer para a ‘já única’ tentativa de salvaguarda: a ação física! Mas, para isso, é necessário certo conhecimento técnico e habilidade, além da noção daquilo que citei no início destes tópicos: ‘o olhar’.

*  Em suma, o uso físico de técnicas (corpo) é o último 'recurso'. Quem vende o discurso oposto não preza pela 'auto-defesa' ou 'defesa pessoal', pois, o risco existe e as circunstâncias nunca são as mesmas. Por isso existem 'artes marciais' que vão além da 'marcialidade' (guerra). Ou seja, prezam pela 'antecipação do problema'. Aí falamos em 'artes proativas', uma arte que vai para além do combate. Uma arte aplicada na vida. E este é o caso do nosso Fluir Wing Tjun Kung Fu.



sábado, 10 de janeiro de 2015

Kung Fu, um caminho...


Kung Fu, que definição é essa?

Alguns pesquisadores defendem a tese de que as artes marciais, organizadas de forma ‘militar’ e ‘artística’ (movimentos coordenados) como se veem muito por aí, vieram da Índia e se difundiram e se organizaram assim na China. Convencionalmente e popularmente, o termo Kung Fu é associado a determinado estilo de luta, ou arte marcial. Um termo/conceito que se popularizou no ocidente, principalmente a partir dos filmes de luta e ação chineses e norte americanos da década de 70, sendo que na China, onde essa ‘arte’ dita ‘marcial’ se desenvolveu, os termos usados de uma forma mais geral, eram (ou são) Kuo Shu e Wu Shu. Fontes dizem que na China o uso-termo Kung Fu não era comum quando se tratava de nomear um estilo ou sistema de arte marcial. Antes disso, era (ou é) uma espécie de ‘gíria’ direcionada aqueles que eram ‘bons no que faziam’, independente da função. Algo como um elogio: ‘Esse cara é muito Kung Fu!’ (a exemplo de: ‘Esse cara é foda!’), poderia (e pode) ser dito de um jogador de tênis de mesa que se destaca em determinado torneio, ou quando um músico se mostra virtuoso no palco, entre outras infinidades de exemplos.

O significado do termo Kung Fu é variado e adquire diversas significações (conforme o contexto do uso). Isso acaba traze do algumas controvérsias comuns em debates pelo mundo das artes marciais, principalmente aqueles feitos a partir do ‘senso comum’. Das traduções ou significados mais comuns e diretos que já ouvi (ou li) são: ‘trabalho duro’, ‘tempo de habilidade’, ‘trabalho contínuo’ ou 'constante' (estas últimas as minhas preferidas - e que usamos como conceito no nosso Fluir W.T., sendo o Kung Fu um caminho e não um fim). Também já vi ‘traduções’ que traziam o significado de: ‘maestria adquirida com mérito e esforço’ ou ‘obra e força do grandioso e iluminado homem’, entre outras. Dá pra se dizer que, em todas, ou na maioria delas pelo menos, a ideia de ‘perseverança’ e ‘benevolência’ (segundo Confúcio na sua obra ‘Os analectos’, “benevolência consiste em superar o eu”) é o que resume e ao mesmo tempo aprofunda essa definição, este conceito. Um outro grande pensador, só que ocidental (trata-se de F.W. Nietzsche, um dos mais importantes filósofos modernos) vai dizer ao longo de sua obra que o ‘super-homem é aquele que supera a si próprio’. Outro pensador e conhecido como dos maiores estrategistas de guerra da história, Sun Tzu, em sua obra ‘A arte da guerra’, por sua fez anotou: “A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos”. Alguns historiadores se apoiam na versão de que o termo Kung Fu vem do nome de um dos grandes filósofos asiáticos antigos (entre 552 – 479 a.C.), responsável por incluir muito da filosofia nessa ‘arte marcial’, trata-se do chinês ‘Chiu Kung’, também chamado de ‘Kung-Fu Tzu’ ou ‘Kongfuzi’, entre outros, tendo seu nome latinizado pelos jesuítas europeus como ‘Confúcio’. Outros nomes que deram o teor filosófico e teórico a ‘arte marcial’ chinesa, tornando o chamado Kung Fu uma forma de comportamento, valores e posturas - ou um modelo de vida a ser seguido, um aparato filosófico e moral, além da marcialidade e da arte, foram o nepalês Sidarta Gautama (Buda), os chineses Lao Tsé (Taoismo), Sun Tzu (A arte da guerra) e Mêncio (confucionista), além do próprio já citado Confúcio, entre outros. A partir das filosofias ou teorias desses pensadores, o Kung Fu passou a ser algo que vai além da prática física e marcial.

É muito comum ainda hoje discussões em torno desta ‘controvérsia’ que no ocidente (assim como é com o termo ‘arte marcial’, sendo que ‘marcial’ remete-se a ‘Marte’, deus romano da guerra) convencionou-se chamar de Kung Fu. Alguns ainda reduzem o termo a uma luta, simplesmente. Se levarmos em conta a história, os ensinamentos e importância de mestres do pensamento como os já citados anteriormente, não podemos reduzir o termo/conceito Kung Fu a, simplesmente, um estilo de luta, pois, para além da prática marcial (estratégias de combate, técnicas de luta, condicionamento físico, etc.), temos a arte, talvez o ponto menos visualizado e considerado no conceito ‘arte marcial’ por grande parte dos praticantes, e além da arte, temos a questão filosófica e teórica/conceitual, fundamentais na constituição de um aparato que vai além da prática física. Talvez um dia, num passado bem distante, o Kung Fu, já tenha sido algo mais rude, duro, hostil, inóspito, feito ou usado simplesmente para o combate em campo, para a guerra, pela luta física e estratégica. Talvez, pois esta certeza não existe.

Se vinda da Índia, provavelmente por monges budistas, e tornada mais ‘complexa’ na China, sofrendo influência da filosofia asiática, a arte marcial nunca tenha sido apenas uma luta destinada a guerra, e se por acaso assim tenha sido um dia, depois da integração da filosofia asiática antiga, com seus preceitos morais e fundamentos espirituosos, a arte marcial, com certeza, passou a ser este ‘complexo’ que é. Porém, com a ‘ocidentalização’ e ‘comercialização’ das artes marciais (o que também não é algo novo), muitos praticantes, entusiastas e até professores e mestres, reproduzem a concepção ‘reduzida’ das artes marciais, tratando-a como uma forma de luta unicamente, seja para esporte ou defesa pessoal, ignorando sua arte (linguagem física e conceitual), sua filosofia e espirituosidade.

“Se a meta de um homem é conseguir avanços de conhecimento, tanto pensamento quanto aprendizado são igualmente necessários”. (Confúcio)


Kung Fu, um caminho! 

(Kung Fu, às vezes, não é o mesmo que Arte Marcial)

Devido a alguns debates um tanto ‘desnivelados’ em torno do uso do termo/conceito Kung Fu que travei pelo mundo virtual, um dia resolvi, a modo de posição frente a isso, além da desconstrução dos conceitos, assumir a ‘noção’ de que não pratico artes marciais (ainda mais no plural), e sim Kung Fu. Ou seja, o que eu quis com isso foi dizer que, se ‘arte marcial’ se reduz a demonstração de força física ou luta, seja ela esportiva ou defesa pessoal, eu não pratico arte marcial, pratico Kung Fu, pois, nessa minha definição (e não só minha), tenho o Kung Fu como algo ‘maior’ (ou mais profundo ou complexo) do que meramente luta. Algo que não existe sem arte, filosofia, teoria, conceitos e certa espirituosidade, além da prática física (o que em momento algum é negada). Nisso, dá pra se dizer que o Kung Fu, além da prática física, é uma prática comportamental e intelectual, frente a sociedade, um postura munida de ideia e postura próprias, tendo em vista uma tal ‘benevolência’ (leia-se Confúcio e a ‘superação do eu’), ou seja, pensar e atuar tendo em vista sempre o ‘outro’. Isso deveria ensinar (e ensina os bons ‘artistas marciais’, que também são ‘filosóficos’), a ver e viver para além do ‘eu’ (‘ego’, que para alguns mestres é o ‘inimigo’ nº 1 do Kung Fu), do próprio umbigo, do egoísmo individualista, tão comum e perceptível neste mundo cartesiano utilitarista, ‘das coisas’, um mundo potencialmente comercial, onde promessas publicitárias enchem academias e criam ‘novos estilos’ que, pretensamente, discursam ‘melhorar os tradicionais’ (discurso típico ‘ocidentalizador’), e onde, muitas vezes, arte marcial é sinônimo de estupidez e incoerência. Por isso e por outras, às vezes, faço dizer que pratico Kung Fu e não artes marciais, que é um dos 'caminhos' que escolhi para viver.





domingo, 4 de janeiro de 2015

Wing Tjun Kung-Fu, o que é?

Wing Chun é um sistema do que no ocidente ficou conhecido como Kung Fu e/ou também ‘arte marcial’. Desenvolvido no Sul da China a mais de 300 anos (final do século XVII, início do séc. XVIII), sua criação e constituição possuem mais de uma versão histórica (além das lendas, simbologias e romantismos em torno do mesmo), assim como em sua forma escrita, tem variações nos modos de se conceber e praticar os movimentos e conceitos, fazendo deste sistema algo dinâmico e diversificado em seus modos de ser e praticar. Wing Chun, Ving Tsun, Wing Tjun, entre outras, são formas de se remeter a este 'estilo' ou 'sistema' de Kung Fu (consideremos aqui suas variações, por mais que alguns afirmem que o sistema só tem uma forma de ser e praticar).
Convencionou-se também dizer que W.T. (sigla de abreviação para Wing Tjun) é um sistema de ‘defesa pessoal’ constituído a partir de práticas reais. Mas o W.T. não se resume a isso. Na prática, busca por eficiência é uma das suas principais características, o que o torna um sistema que vai além da ‘marcialidade’ (no sentido de ‘guerra’ mesmo), ou seja, neste sentido o W.T. é um sistema proativo (antecipatório). Basicamente, é uma ‘arte marcial’ desenvolvida através do tempo para permitir que qualquer tipo de pessoa, independentemente de tamanho, força ou sexo, possa se defender de agressores maiores e mais fortes.
Suas origens são controversas, mas pesquisas e o próprio conhecimento em Kung Fu, mostram que o ‘estilo’ veio de dois outros estilos mais antigos. São eles: o Emei, Snake (Serpente) e a White Crane (Garça Branca), animais/estilos, inclusive, que são símbolos do sistema. 

O simples que é complexo
O sistema W.T. não é ‘tão simples’ como costumeiramente se diz. Podemos dizer que foi ‘simplificado’ para sua mais rápida e prática assimilação, o que gerou algumas ‘distorções’ quanto a forma mais ‘popular’ de concebê-lo. Tornou-se com o passar das gerações, um sistema onde mestres incluíram novas técnicas, ao tempo que retiravam outras. Enquanto na maioria das ramificações ou estilos de Kung Fu seus praticantes levam muitos anos para tornarem-se instrutores ou professores, no Wing Tjun, se o aluno for dedicado, mantendo uma rotina de estudos com foco, perseverança e 'incorporamento' do sistema, em 'pouco tempo' (relativo aos estilos mais 'clássicos' por assim dizer) pode até tornar-se instrutor. Por isso se diz que o W.T. é de, relativamente, fácil e rápida adaptação (comparado a outros ‘estilos’ de Kung Fu), permitindo até a inclusão de outras técnicas que venham ao seu encontro e tenham afinidade com seu modo de ser.
Em muitos estilos de artes marciais procura-se bloquear o ataque do agressor para depois contra-atacar. No W.T. o princípio básico é o de utilizar a força (ou energia) do oponente contra ele próprio, onde a defesa, muitas vezes, já funciona como um ataque e vice-versa. Defender atacando (ou contra-atacando) e se utilizando da energia (ou força) do oponente ao próprio favor, é o que identifica e torna o Wing Tjun uma das artes marciais considerada por muitos, das mais eficientes do mundo. Outro elemento que caracteriza esse estilo, é a concentração e distribuição de energia, o que, se bem utilizado, favorece seu praticante, sendo que este, passa a depender menos da força física-muscular, usando mais o raciocínio ou a inteligência, a física mecânica propiciada pela ‘forma’ do sistema e a ‘energia interna’ (a partir do conceito de ‘chi’ – ‘energia vital’) que circunda e integra os seres, emana do cosmos, da natureza e é distribuída pelo próprio corpo. A prática do W.T. faz o praticantes pensar rápido, sendo intuitivo e focado naquilo que acontece no momento da ação, sem maiores desgastes, sejam eles físicos, mentais ou emocionais. Conceitos como o de ‘derretimento interno’ e ‘relaxamento externo’, são fundamentais nesta compreensão e feitura. Mas não são todas as escolas ou linhagens que se utilizam do fundamento e da chamada 'prática interna' (uso da energia 'chi') em seus modos de se estudar, conste. 
O Wing Chun ficou conhecido sob tudo no ocidente depois que apareceu no cenário mundial do cinema e das artes marciais o ‘astro’ Bruce Lee (Lee Jun-fan), que foi por um breve tempo aluno do mestre Yip Man, conhecido como um dos grandes mestres do W.T. mundial e um dos responsáveis por tornar a prática do W.T. mais ‘simples’ e 'prática' (relativizemos isso), segundo a opinião de alguns pesquisadores. Bruce Lee, através de sua fama, foi parte responsável pela ‘popularização’ do W.T. e da chamada 'linhagem Yip Man'. Foi a partir do seu breve conhecimento de Wing Chun que Lee acabou criando o Jet Kune Do.
Atualmente existe uma infinidade de praticantes, professores, modos, formas, mestres e pesquisadores e suas escolas, linhagens ou famílias de Wing Chun/Tjun pelo mundo, nos mostrando que não existe um só modo de se conceber e se praticar esta arte. 

Algumas características, elementos, visões e/ou leituras do sistema Wing Tjun a partir de nossos estudos e concepções:

1. desenvolvido basicamente para pessoas 'mais fracas' se defenderem de pessoas 'mais fortes', em algumas versões históricas ou teses, a partir do Emei e da Garça Branca, é um sistema 'proativo', para além da marcialidade;
2. busca a máxima eficiência;
3. trabalha a 'parte interna' e a 'parte externa' simultaneamente;
4. é defensivo e não ofensivo (ou seja, não foi feito para atacar simplesmente, mas para defender-se contra-atacando, onde, em muitos casos, a defesa é um ataque);
5. 'o simples que é complexo': não é tão simples como se convencionou dizer, foi 'simplificado' (onde predomina, em muitas escolas e linhagens, a 'parte externa' que enfatiza mais a mecânica e a parte física dos movimentos);
6. os movimentos de aplicação são em 'espiral' e não 'retos' como muito se convencionou praticar por aí, por onde o fluxo de energia se move, o que favorece a dinâmica do movimento, assim como seu redimensionamento;
7. as escolas oriundas do GM Ip Man (mais populares e praticadas no mundo todo) ditas por muitos como 'tradicionais' ou 'o verdadeiro Wing Chun', não é das gerações mais antigas do W.T. na China;
8. o GM Ip Man, como outros mestres também o fizeram ao longo da história, modificou o Wing Chun aprendido com seu mestre e sua linhagem, adotando outros modos e mestres de outras linhagens, adaptando assim sua forma e conceitos, o que gerou grande crítica pelos 'puristas' a sua pessoa e seu modo no seu período - e hoje, em muitos casos, isso se repete;
9. a mecânica, forma 'reta' e 'dura' dos movimentos que se vê muito por aí no Wing Chun (mais popular), faz parte da 'simplificação' ou adequação do sistema para que, em dado período histórico, mestres pudessem ensiná-lo mais rapidamente, onde a 'parte interna' ficou 'um pouco' de lado, tornando-se, para alguns, algo estranho dentro do sistema;


Continua...



quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

APRESENTAÇÃO (atualizada, 2019)

O 'lugar' de onde falo:

Meu nome é Herman Gomes Silvani. Sou/estou professor de humanas e sociais (filosofia, linguagem, sociologia e história); Taoísta (filosoficamente e espiritualmente); Também tenho vínculos com as Artes, como escritor, compositor musical e fotógrafo; além de eterno estudante e professor de Wing Tjun Kung Fu e Chi Kung - e praticante de Tai Chi.

Breve contexto: 

Iniciei meu caminho no Kung Fu em meados de 1990, naquilo que chamávamos na época de ‘Shaolin’, com um professor muito conhecido na cidade (Chapecó/SC), chamado Zeu (também tive alguma experiência em Karatê, não me adaptando). Inspirado nas revistas de Kung Fu, bastante comuns na época, e nos filmes de Bruce Lee. Foi então que conheci o sistema Wing Chun. Acessei e pratiquei WT do ‘modo’ Ip Man, experienciando duas vertentes vindas de dois mestres que estão entre os maiores alunos do mestre Ip. São eles os sifu’s Wong Shun Leung e Leung Ting, e seus respectivos ‘modos’, a partir de um professor que se chamava Marcelo, encerrando o segundo nível (Chum Kiu) de ambos os ‘modos’ (além de aspectos da Biu Tze, Muk Yan Chong e Bart Chan Dao).

Um tempo depois, conheci outra pessoa que praticava Kung Fu, e que trabalhou e estudou por alguns anos no sudeste asiático (Vietnam, Indonésia e Taiwan), chamado Arthur. E foi dessa região que ele trouxe alguns de seus conhecimentos em Kung Fu e ‘artes internas’. Foi com ele que aprendi aspectos fundamentais do Wing e Weng Chun Kuen, Garça Branca, Chi Kung e Tai Chi, além de elementos da Serpente e de um estilo que hoje sei, se chama Chu Kar. * A partir de 2015 é que fui buscar as raízes ou origens do nosso Kung Fu, formalmente falando. 

Nos anos 90 eu era muito jovem, mas bastante dedicado. Na época não ligava muito para a origem dos estilos, linhagens, etc. Os treinos eram praticamente diários, entre os locais de treino e em casa. Este período durou cerca de 3 anos. Jogava também futsal, e por imaturidade, acabei lesionando os joelhos. Então tive que, oficialmente, parar com as práticas ‘marciais’. Os anos passaram e eu perdi contato com os professores, dos quais só gravei os nomes, mas fiquei ainda um tempo praticando com colegas e amigos de prática, movido pela paixão. 

Passei mais de 15 anos sem treinar com orientação direta de professores, mas segui praticando esporadicamente, principalmente Chi Kung e alguns elementos do Tai Chi e do Kung Fu. Retomei a prática mais concentrado em 2011. Foi então que, depois destes anos, em 2012, voltei a treinar 'oficialmente' com um praticante muito habilidoso que foi por um tempo meu professor (novamente no modo Ip Man e Shaolin), chamado Mauro Flores. Assim, aos poucos fui retomando meus antigos conhecimentos e habilidades. Mais maduro ou consciente, estudando mais concentrado e profundamente, as coisas passaram a ter mais sentido. 

Em 2014 comecei dar algumas aulas, substituindo o professor Mauro, que aos poucos desistiu de lecionar. A mudança de paradigma veio em setembro do mesmo ano, quando tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o sifu holandês Sergio Pascal Iadarola (um dos grandes sifu's do Kung Fu e artes internas mundial atualmente) em um seminário especial que tive com ele e sua associação, a IWKA (Internal Wisdom and Knowledge Association), em Porto Alegre/RS. A partir deste contato com o sifu Sergio e sua escola, foi que tive uma nova compreensão que me fez buscar as origens do meu conhecimento em Kung Fu. Com isso pude relacionar e somar meus conhecimentos que de certo modo eram fragmentados, e assim aprimorar meu Kung Fu, entendendo que o principal elemento não é a técnica ou o fator externo de um sistema ou estilo, mas sim, sua essência. Esta compreensão possibilitou o desenvolvimento de um ‘modo’ de Kung Fu, que hoje repasso aos meus alunos e ‘irmãos Kung Fu’. Nisso, movido por esta mudança de perspectiva e pela necessidade, busquei meu caminho para integrar o conhecimento fragmentado que possuía. Com esta nova compreensão, pude unir conhecimentos (os citados acima no início deste texto) e não isolá-los, como fazia anteriormente. Por isso este encontro com o sifu Sergio e IWKA foi fundamental. Um ‘divisor de águas’! Em dezembro do mesmo ano, trouxe para Chapecó o então instrutor chefe da IWKA no Brasil, sihing Daniel Jaeger para treinos a partir do currículo e metodologia IWKA na época. Depois, fiz algumas aulas com ele nas minhas idas para Porto Alegre. No final daquele período, havia sido oralmente admitido na IWKA, porém, Daniel se desvinculava nos mesmos dias da associação, o que impossibilitou minha adesão formal à ela, já que era ele o responsável por isso no Brasil.

Depois disso, ainda tive outras experiências (informais) com outras artes marciais (testes e estudos). Retomei a pratica de  Chi Kung (oficialmente) com uma professora chamada Rose. Com isso também tornei a aprofundar-me nos estudos filosóficos taoístas, budistas e confucionistas, incorporando o taoísmo filosófico em aspectos da minha vida e práticas cotidianas, e como base orientadora do meu Kung Fu e da associação. Foi então que resolvi desenvolver um currículo próprio, baseado nos conhecimentos que adquiri em todo este tempo.

Movido por uma necessidade de ter um currículo coerente com a realidade local, minha e de meus alunos/irmãos Kung Fu, nasceu assim, em 2015, a AFWK (Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu).

De lá para cá, foram muitos estudos, pesquisas, treinos, práticas. Em 2017, conheci o sifu Carlos Artur Schacker, que foi aluno de um aluno direto da linhagem Pai Lin de Tai Chi Chuan, que hoje é um bom amigo e meu professor de Chi Kung e Tai Chi no estilo Pai Lin.

"Aquele que souber adaptar-se será preservado até o fim" (Lao-Tsé)

A AFWK é uma escola jovem, e nosso currículo ainda está em construção - em constante desenvolvimento - ou seja, não é um currículo fechado (mas isso não significa que não tenha consistência). A partir do que nos ensina a filosofia taoista que nos orienta, seguimos o fluxo. Na AFWK estudamos/praticamos Wing Tjun (buscamos referência direta na forma escrita da IWKA: Wing Tjun), talvez com alguma resignificação devido ao que é próprio da nossa realidade e das nossas experiências. Em suma, o ‘modo’ AFWK (também chamado Fluir) é basicamente o estudo e prática de Wing/Weng Chun e Chi Kung (com elementos dos estilos de Kung Fu Bai He (Garça Branca), Serpente, Chu Kar, do Tai Chi Chuan e I-Chuan - conhecimentos que se encontram e se relacionam pela essência), e o taoísmo é a base filosófica (conceitos e concepções) que orienta nossos estudos e práticas. 

(Obs.: não pertencemos ou seguimos uma linhagem em específico, por isso os mestres mencionados são referências, inspirações ou influências, outros, fazem parte de nossa base conceitual/teórica e/ou prática)




GM Sifu Sergio Iadarola (IWKA) e Herman Silvani (professor AFWK), 2014



   
                                               Seminário (treino especial) IWKA em Porto Alegre/RS, com Sifu Sergio, 2014


















Seminário/treino em Chapecó/SC (2014), com o então sihing Daniel Jaeger, IWKA Porto Alegre


                                                    Professor Herman Silvani praticando Chi Kung/Tai Chi no litoral catarinense (2011)


Herman Silvani (aluno no contexto), professor Mauro Flores e aluno Maurício Gomes - Wing Chun e Kung Fu 'Shaolin', 2013

















Praticando Chi Kung, ritual do chá e primeira 'passagem de nível' da AFWK, 2016




AFWK, alguns alunos/as (aula/encontro, primeira passagem de nível), 2016




AFWK, alguns alunos (aula/encontro, ritual do chá e segunda passagem de nível), 2017



                                                
                      Pratica de Chi Kung junto a natureza, em praça pública, 2018

   


                      Chi Sao / Tui Sao (práticas de Wing Tjun e Tai Chi Chuan junto a natureza)





                             

                               Cerimônia do chá (Bai Si) e 3ª passagem de nível da AFWK, 2018



















Estudo taoista, a partir das obras fundamentais e homenagem a memória de grandes mestres que nos inspiram, são bases e referências da AFWK.



























* fotos: Liza Bueno.