sábado, 30 de março de 2019

Kung Fu, diferentes caminhos: entre a diversidade e o reducionismo



No meio dito ‘marcial’ do Kung Fu, especificamente do Wing Chun, com suas várias comunidades e/ou perfis no facebook, muitos praticantes (e incrivelmente, até sifu’s), comumente distorcem ou detratam  ‘modos’ diferentes dos seus, de se conceber, estudar ou praticar o sistema. Alguns por não conhecerem e compreenderem estes ‘modos’, outros por não terem bom senso. Infelizmente isso é muito comum neste ‘universo’ (que às vezes não passa de uma ruazinha estreita). O fato (que alguns não querem entender) é que existe uma gama de diversidade de ‘modos’ (ou ‘estilos’) de Wing Chun e de Kung Fu pelo mundo. Dentro de um mesmo estilo podemos encontrar ‘modos’ diferentes, sendo que, muitos deles são adequações de outros.


(...) “como explicar o gosto de uma fruta, por exemplo, comparando seu paladar ao de outra fruta conhecida: quem jamais provou o sabor da primeira poderá compreender a descrição, mas não conseguirá conhecer a sensação do verdadeiro gosto da fruta descrita”. (mestre Wu Jyh Cherng, a partir da interpretação do ‘Tao te Ching’ de Lao Tse)

Alguns muitos grandes mestres desenvolveram seus próprios caminhos dentro do sistema, o que os tornou muito conhecidos e seguidos. Porém, estes ensinaram outros que, por suas vezes, também ‘transformaram’ suas práticas, criando ‘modos’ diferentes do seu mestre. Outros ainda, tiveram mais de um mestre ou professor, como é o exemplo do GM Ip Man (o mais popular entre eles) e Yuen Chai Wan, que além do Wing Chun, estudou e ensinou Weng Chun Kuen, Chu Kar, entre outros estilos de Kung Fu (além das artes internas), desenvolvendo o seu próprio ‘modo’, sua própria ‘escola’. Isso tudo enriquece o conhecimento. Porém, alguns não se dão conta disso, ou não querem saber, e seguem ‘determinando’, e assim, reduzindo, o profundo conhecimento que é o Kung Fu e o próprio sistema WT (Wing Chun / Weng Chun Kuen). Determinam ‘verdades’ a partir das suas óticas, não percebendo a diversidade e riqueza que é estudar e integrar estas diversidades, e não segmentá-las. Não tenho nada contra as linhagens, mas reconheço e conheço ‘modos’ que vão além de uma única linhagem, como é o nosso caso da AFWK. Ambos os caminhos podem ser muito bons, desde que se estude/pratique com sinceridade e conhecimento, desde que se busque os fundamentos essenciais destes conhecimentos. O mais é ‘política’ (no sentido ampliado do conceito), ou ‘pré-conceito’. E estão aí grandes mestres como os já citados acima para provar que, não é a fonte única que faz desenvolver um bom Kung Fu, mas sim, a(s) fonte(s) profundas e que vivem em movimento, com o a água. Outro dia eu tentava dialogar com outro sifu, de outra escola e ‘modo’ de WT, e não tinha jeito, para ele a integração de estilos diferentes num mesmo ‘modo’ ou escola/associação, é impossível. Não entrava na sua cabeça que as coisas podem se encontrar na essência, sendo alguns estilos filhados a uma mesma raiz ou essência. Dizia reduzidamente que, é fácil inventar, defendendo um único caminho. Quer dizer então que, como estudante/praticante e sifu, como escola ou associação que estuda, pesquisa e também desenvolve, não podemos estudar com mais de um professor, em mais de uma fonte, mais de um estilo e ‘modo’? O cara não entende que Wing Chun pode dialogar com outras artes, outros estilos, e assim poder ser aprimorado, adaptado, para além da sua representação, do estereótipo que, muitas vezes é maior do que a realidade. Isso é reduzir e determinar. Particularmente, meu caminho (nosso, AFWK) é outro.

"Mestre é quem conduz seu aluno ou discípulo à si próprio, e não à ele ou seus desígnios."
(inspirado no documentário 'Avake', sobre Yogananda)

Parece que, quando uma escola/associação tem mais de uma fonte (mais de um mestre, tradição, linhagem ou ‘modo/estilo’ de onde bebe e, então desenvolve seu próprio ‘modo’), alguns outros praticantes ou sifu’s julgam (mesmo sem saber/conhecer ou experimentar este ‘modo’) negativamente esta ‘diferença’. Julgando a partir de questionamentos tendenciosos e ideologicamente discursivos, acabam por tentar impor suas ‘verdades’, camuflando assim suas faltas de discernimento e conhecimento (em palavras mais diretas, suas ignorâncias) perante aquilo que lhes é diferente. É um problema cultural amigos, que está além do universo Kung Fu, onde a diferença quase sempre é tratada como inferior. Por algum medo ou autoconvencimento, estes preferem fechar os olhos para o outro e manter suas posturas de autoridades naquilo que fazem ou sabem. Mas o fato, a realidade, são bem outros. Exemplos não faltam para comprovar isso. O ‘modo’ ou estilo Ip Man só é o que é, por exemplo, graças aos conhecimentos variados que este mestre aprendeu com diferentes professores e ‘modos’, e assim então pôde desenvolver o seu próprio e famoso ‘modo’. Como eu já tratei em outro texto aqui, uma espécie de ‘sincretismo’ é responsável por isso. O próprio sistema WT surge disso (para além da provável lenda ou tradição da ‘musa criadora’).

"PARA MANTER O EQUILÍBRIO DAQUILO QUE TEM FORMA, TEMOS QUE BUSCAR NOS SUPRIR DO QUE NÃO TEM FORMA " (GM Liu Pai Lin)

Enfim. Antes dos pré-julgamentos ignóbeis, cheios de ideologia e que distorcem a realidade e história de um conhecimento tão profundo e variado, é mais coerente e digno conhecer, estudar, para daí sim perceber e poder ter uma maior noção ou entendimento do que sejam estas diversidades dentro de um mesmo sistema, independente de suas integrações com outros. Se existem escolas/associações que seguem uma única linhagem ou tradição, existem também àquelas que estão além disso, e isso não significa que uma seja melhor ou pior que a outra, apenas, que são caminhos diferentes. O que vale é a sinceridade e o conhecimento. O mais é caminho, método, busca, ‘modo’. Aparência, representação, discurso, não são essência. Então, busquemos a essência, que é onde se encontra o mais profundo e flexível conhecimento: a sabedoria!