segunda-feira, 30 de julho de 2018

AFWK e vida Kung Fu: estudos e transformações

"Este mês marca meu retorno na prática ‘oficial’ do Kung Fu. São seis anos de estudos e práticas semanais (nos últimos 2 anos, quase diárias). Marca também os três anos e meio de fundação da AFWK."


Breve histórico de uma ainda jovem história

A AFWK iniciou oficialmente suas atividades enquanto associação (com este nome) no início de 2015, fundada pelo então instrutor de Kung Fu (naquele período), Herman Silvani. O contexto que envolve a criação da associação/escola traz dois acontecimentos principais:

 O primeiro é a ida do então estudante/praticante e hoje sifu (professor) Herman Silvani para Porto Alegre/RS em setembro de 2014 para o seminário/treino especial com o sifu holandês Sergio Pascal Iadarola e IWKA, sua associação/escola (um dos grandes nomes do Wing Tjun e das ‘artes internas’ mundiais).

O segundo é a atitude do então praticante/estudante e instrutor Herman (naquele período) de assumir e manter a pequena turma de praticantes de Kung Fu em Chapecó, da qual Herman fazia (faz) parte, depois da desistência do professor Mauro Flores da sua função.  

Foram estas duas situações (direta ou indiretamente) que impulsionaram ou deram condições para que a AFWK se constituísse enquanto associação/escola de Kung Fu em Chapecó/SC.
















Seminário/treino especial com sifu Sergio Iadarola, em POA, 2014

















Professor Herman Silvani sendo certificado pela participação no Seminário especial da IWKA pelo sifu Sergio Iadarola






































Professor Herman Silvani (no centro) ao lado do então sihing e instrutor chefe da IWKA no Brasil (naquele período), Daniel Jaeger, junto a primeira turma de Kung Fu sob orientação de Herman, em seminário em Chapecó/SC, em dezembro de 2014, anterior a fundação da AFWK (na imagem, os irmãos Mauri Gomes, hoje sihing na AFWK - e Ronaldo Bernardi)


“Mergulho com o influxo e surjo com o refluxo, sigo o Tao da água e não lhe imponho minha visão egóica. É assim que eu me mantenho flutuando" (Chuang-Tzu)

Fundada por Herman Silvani com a participação fundamental do estudante/praticante Maurício V. Gomes (hoje sihing: ‘irmão mais velho’), a AFWK começou não por uma pretensão ou ambição, mas sim por uma necessidade. A decisão do hoje sifu Herman Silvani não foi programada (e também não foi fácil). Assumiu o risco, a partir da integração com o grupo e entre o grupo de praticantes. Herman então, juntou suas experiências e seus conhecimentos em Kung Fu, artes internas, filosofia e educação (sendo graduado em história e especializado em educação com ênfase em filosofia e sociologia), incluindo seus estudos taoístas, e a partir disso, do contexto e da realidade locais, motivado pela nova mentalidade e percepção adquirida no seminário da IWKA com o sifu Sergio Iadarola no Brasil e de sua inserção no taoismo filosófico, fundou a AFWK para manter o grupo e aprimorar os estudos, e então começou a elaborar um currículo próprio - que hoje encontra-se muito mais elaborado, porém, não encerrado, estando em constante construção ou desenvolvimento, seguindo o conceito taoista de fluxo, o que permite à AFWK certa adaptação e dinâmica quanto ao conhecimento, seus vários ‘modos’ e possibilidades. Isso também se deve ao fato de Herman e AFWK não representarem oficialmente e diretamente um mestre, linhagem ou escola específicos. Seus conhecimentos e experiências, seja direta ou indiretamente, provém de mais de uma linhagem e/ou ‘modo’ de Kung Fu, Chi Kung e Tai Chi Chuan, o que lhes permite tal flexibilidade quanto ao ‘modo’ de se conceber, estudar e praticar Kung Fu e artes internas.

Em suma, a fundação da AFWK se deu com certa ‘naturalidade’. Ou seja, foram as condições sócio-históricas e a necessidade que impulsionaram seu surgimento. E hoje, são três anos e meio de estudos e práticas sob o título e currículo AFWK, onde Fluir Kung Fu se constituiu como um ‘modo’ (entre tantos) de se conceber, estudar, praticar, estar, e viver Kung Fu.

"Quando iniciei meu caminho no Kung Fu, ainda muito jovem, em meados dos anos de 1990 (foram em torno de 3 anos de práticas orientadas naquela década - e aproximadamente 17 anos de práticas aleatórias e sem orientação, principalmente de Chi Kung - e a partir do meu retorno ‘oficial’ em 2012, somam-se mais 6 anos), não poderia imaginar que um dia seria professor de Kung Fu e fundador de uma escola/associação."

Neste caminho, se comemora também a 3ª ‘graduação’ da AFWK dentro do seu currículo próprio, com treinos especiais, Bai Si (cerimônia do chá) e confraternização (fotos nos links abaixo).



"Nisso, como então professor/fundador da Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu, agradeço todos/as que depositaram e depositam suas confianças na minha pessoa e no meu trabalho, assim como a parceria e integração de todo/as meus alunos/as, dos que me acompanham desde o começo da associação e antes mesmo dela, como é o caso dos irmãos Maurício V. Gomes, Ronaldo Bernardi e Cézar E. F. Fernandes, dos alunos/as mais recentes, tanto do Wing Tjun quanto do Chi Kung, ambos, obrigado! Também agradeço ao sifu Sergio Iadarola e a IWKA pela possibilidade que tive a partir do nosso contato, de perceber algo que mudou e ampliou minha busca e as possibilidades do meu Kung Fu (questão fundamental para a criação da AFWK), assim como a todos/as os/as professores/as e colegas destes conhecimentos milenares que tive através dos anos. Por fim, aos grandes mestres do passado (sejam eles do Kung Fu, Chi Kung, Tai Chi ou não), os antepassados que nos transmitem, de uma maneira ou de outra, seus conhecimentos, suas sabedorias. Obrigado!"

·         Fotos:

- prática/treino especial:


- Bai Si, passagem/graduação:


Continuamos...  

Herman Silvani (professor na AFWK)



terça-feira, 17 de julho de 2018

Modo, estilo, sistema, linhagem e Essência: conceitos importantes na vivência Kung Fu

O que é ‘modo’?

Um mesmo estilo ou sistema de Kung Fu, pode ter práticas (‘modos’ de se fazer algo) distintas, diferentes entre si. A diferença existente entre uma e outra ‘linhagem’ dentro de um mesmo sistema ou estilo, é o que chamamos de ‘modo’.

Modo, estilo, sistema e linhagem

Um ‘estilo’ é composto de características, aspectos e/ou elementos que o são próprios, e tem fundamental papel na definição de algo. Em se tratando de Kung Fu, são vários e vários estilos desta ‘arte marcial’ chinesa existentes. Relacionado a isso, também temos o ‘sistema’. Estilo e sistema podem ser usados de forma similar para localizar um tipo de Kung Fu composto de características próprias. E são estas características que, por sua vez, definem o estilo ou sistema. Dentro destas definições e conceitos, também temos os ‘modos’ que, basicamente são ‘formas diferentes’ de se praticar ou se conceber um mesmo sistema ou estilo. Ou seja, dentro do sistema ou estilo, existem ‘modos’ diferentes de se praticar ou conceber este próprio sistema/estilo. Um exemplo disso, é o caso do grande mestre Ip Man, o mais popular dos sifu’s da história do Wing Chun. Ip Man aprendeu WT de mais de um mestre, escola, estilo ou modo, mas o sistema era o mesmo, ou seja: Wing Chun. A partir disso, desenvolveu sua própria metodologia de ensino e currículo (portanto, escola), adaptando o que aprendera ao ‘seu modo’ de praticar, conceber, fazer. Eis que ‘define’ assim um ‘modo’ dentro do mesmo sistema (WT). Neste caso e sentido, o mestre Ip, de certa forma, desenvolveu também um ‘estilo’, que também é um ‘modo’, próprio, seu, de praticar, conceber e lecionar Wing Chun. Então, ‘modo’ e ‘estilo’ acabam tendo praticamente o mesmo significado, neste caso/sentido, enquanto o ‘sistema’ é o mesmo.

As ‘variações’ e diferenças dentro de um mesmo sistema é o que chamamos de ‘modo’. Já o ‘estilo’, precisa de um pouco mais de substância pessoal ou própria para poder ser considerado como tal. A diferença é mínima, mas existe – ou pode existir. No caso, o estilo do Kung Fu é Wing Chun, que é um sistema e pode ser um modo ou um estilo dentro deste mesmo sistema. Já a ‘linhagem’ está diretamente ligada ao conceito de ‘herança’ e ‘família’. O que define uma linhagem então, são as características, aspectos ou elementos próprios de um estilo e/ou modo de um sistema ou estilo, transmitidos de geração para geração através de uma ligação ‘familiar’, a partir de uma tradição hierárquica, como se fosse uma corrente de relações onde se cultivam os aspectos ou características que definem a linhagem. Nisso, o respeito e cultivo do conhecimento ancestral e familiar é fundamental.

Voltando ao caso Ip Man, por exemplo: este grande mestre teve bons alunos que se tornaram também grandes mestres, a exemplo dos GM’s Wong Shun Leung, Moy Yat e Leung Ting (só para citar três dos maiores vindos da escola Ip Man), onde cada um deles, desenvolveu seu próprio ‘modo’ de Wing Chun, mesmo sendo frutos do mesmo ‘estilo’ ou ‘modo’, no caso, de seu mestre. Também podemos chamar isso de ‘escola’, já que ambos desenvolveram seus próprios ‘caminhos’ ou ‘modos’ dentro do mesmo sistema (WT). Nisso, o modo Ip Man, por exemplo, é diferente do modo Yuen Chai Wan ou Yuen Kay San, que, mesmo sendo irmãos, também são diferentes entre si. Ou seja, muitos adaptam o sistema Wing Chun ao seu modo que acaba sendo próprio, e que muitas vezes, acaba gerando aquilo que podemos também chamar de ‘estilo’, onde algumas características ou elementos se mantém, outros se assemelham, enquanto outros ainda, se diferem. Mas isso não é algo fácil de se fazer ou se chegar, nem tão consciente. Geralmente é a necessidade que leva a este desenvolvimento, pois é disso que se trata, de um desenvolvimento. Alguns grandes mestres (ou mesmo estudantes talentosos e estudiosos) chegaram nisso. Isso confere ao Wing Chun e ao Kung Fu uma diversidade de conhecimentos e modos, fazendo dele um sistema rico ou amplo de possibilidades, o tornando também, flexível ao diálogo com outros estilos de Kung Fu que se aproximam de algum modo. Um fator de proximidade ou diálogo entre diferentes estilos, sistemas ou modos, que podem convergir e se integrar entre si em alguns contextos, são os princípios, a raiz e/ou a essência.


Como é que caminhos tão distintos, diversos ou diferentes podem se relacionar?

Se a gente parar para observar uma árvore, é possível perceber que a partir de um mesmo tronco, existem galhos que vão para direções múltiplas. Um galho vai pro leste, outro vai pro oeste, um vai pro sul, outro pro norte. Mas, na própria árvore, se mergulharmos no interior da terra, lá existem raízes que vão para baixo, ao invés de irem para cima. Enquanto parte da árvore fica num caminho mais exposto, mais visível, como seu tronco e sua copa, as raízes ficam discretas, ocultas no interior da terra. Todas estas partes da árvore, apesar de se direcionarem para caminhos diferentes, fazem parte da mesma árvore. Mas, são volvidas, são impulsionadas por princípios, fundamentos que, mesmo diferentes, podem dialogar e tecerem relações mútuas. No caso da árvore, mesmo com os caminhos difusos, ela tem a mesma ‘essência’. E é assim com o Kung Fu e seus estilos ‘irmãos’ ou ‘familiares’.

Mesmo conhecimentos que são muito antigos, podem ser aplicáveis nos dias de hoje. Isso é devido ao fato desta diversidade, destes caminhos diferentes, serem adaptáveis, do simbólico ao prático, ao real. A mutação (Kua) é fundamental para o movimento vivo das coisas. Nisso, uma tradição, por mais fixa que ela tende a ser, acaba, para seguir existindo, sobrevivendo, tendo que mutar, se transformar, se adequar. Nisso é que se dá a mutação ou a integração entre diferentes caminhos, pois, como é com árvore, eles podem chegar na mesma ‘essência’.

A partir da orientação filosófica taoísta, partimos da essência, do que é interno (do interno para o externo), buscando a essência, para poder melhor exteriorizar os caminhos, mesmo sendo eles diferentes. O que importa para nossa prática e cultivo, é a raiz, a essência, e não o que é aparente. Isso também gera ‘dinâmica e flexibilidade’, princípios fundamentais para que conhecimentos e habilidades possam livremente Fluir. 


Herman Silvani (professor da AFWK) 



quarta-feira, 11 de julho de 2018

A meditação e os meninos da caverna...

17 e 18 dias presos dentro de uma caverna escura, úmida, com pouco ar, sem comida e água potável. Foi o que aconteceu com os 12 meninos de 11 à  16 anos de idade e seu professor/treinador de futebol, ‘ex-monge’ budista na Tailândia.

Através da meditação budista e/ou taoista (neste caso em específico, foi budista), os meninos tailandeses e seu treinador, Ekkapol, que viveu em torno de 10 anos num mosteiro budista e ensinou os meninos a meditarem, puderam sobreviver às condições precárias que se encontravam.

Mas como foi possível sobreviverem? Ocidentais que vivem euforicamente, sem técnicas ou práticas meditativas e/ou respiratórias, conseguiriam sobreviver ao mesmo drama?

Tanto na meditação (no nosso caso, taoista) como na prática das ‘artes internas’ (Chi Kung, Tai Chi e Wing Tjun interno), o cultivo ou trabalho de energia (chamada ‘energia interna’, ‘energia vital’, ‘energia cósmica’ ou ‘Chi’), através das práticas citadas acima (meditação e artes internas), aumenta a possibilidade da vida resistir.

Nestas práticas trabalhamos a concentração e fluxo de energia pelo corpo, o que fortalece e/ou equilibra a ‘mente, o corpo e o espírito’, que passam a ser concebidos como uma unidade. Nisso, a partir de técnicas de ‘respiração natural’ e ‘mergulho no vazio’ (que é a pratica da ‘calmaria’ - tanto que, uma das formas taoistas de meditação se chama ‘sentar na calma’), a energia é concentrada, controlada, equilibrada, e assim, permanece por mais tempo no corpo, junto a respiração que oxigena os órgãos internos e diminui a interferência de bactérias, fungos ou vírus no organismo, agindo na imunidade. Isso, faz com que a necessidade de alimento (ou da energia dos alimentos), por um tempo limitado, é claro, seja menor, assim como, se consiga respirar melhor, com mais leveza e por mais tempo, usando menos ar. Diminui-se, consideravelmente assim, a euforia, o estresse, as irritações e pensamentos rígidos. Neste sentido, a calma e o relaxamento interno e externo, são fundamentais para uma melhor vivência (ou sobrevivência). Para explicar bem isso, é preciso de mais tempo/espaço, por isso, estou tentando ser breve e direto (maiores informações sobre isso, encontramos em algumas publicações, como é o caso do livro ‘O Tao da Respiração Natural’, de Dennis Lewis).

É fato que, não fosse este conhecimento milenar, esta prática meditativa, técnica e sensível, seria mais difícil dos meninos terem sobrevivido naquelas condições (no mínimo, isso foi importante para o bem estar físico, energético, psicológico-mental). Isso demonstra, o quão, certas práticas de vida, como esta, são importantes para uma adaptação ou adequação humana (mental, corporal e espiritual-energética) ao meio, pois, trata-se aqui, principalmente disso, ou seja, da relação dos indivíduos com o meio natural e sociocultural (em que eles estavam inseridos naquela situação). Natureza aliada a cultura, ao conhecimento humano, desenvolvido, justamente, em certa harmonia com a natureza ou com as naturezas (interna e externa).

Por fim, o que tinha muito para ter um final triste, acabou bem para os meninos e seu ‘mestre’. Não teve o mesmo desfecho o caso do mergulhador Saman Kunan, que no trabalho digníssimo e humano de levar oxigênio (em tubo) e suprimento aos meninos, acabou, infelizmente, morrendo na ‘garganta da caverna’.

Que este caso nos faça refletir sobre nossas ‘escolhas’, sobre nossas condições existenciais, sobre nossas práticas cotidianas. De minha parte, como estudante/praticante e professor, agradeço, em nome dos meus alunos/as, irmãos/as Kung Fu da AFWK, aos antigos e contemporâneos mestres que desenvolveram estas ‘artes’, estes conhecimentos, estas práticas, buscadas na natureza e na própria vida.

 Obrigado mestres! Obrigado Saman Kunan - e boa transformação!