segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Taoismo, Confucionismo e Budismo na China, uma relação

 

Taoismo, confucionismo e budismo são as 3 concepções de mundo e/ou conhecimentos (filosofias e práticas de vida) que constituem os principais e maiores fundamentos do pensamento chinês. Ambos também constituem as bases conceituais e filosóficas do que popularmente se chama Kung Fu (artes marciais de origem chinesa). Sendo o taoismo e o confucionismo originários da China, enquanto o budismo tem sua origem na Índia. Estas concepções de mundo (vamos assim chamar), iniciaram como conhecimentos e filosofias, dotadas de princípios próprios, herdados de outros vários conhecimentos antepassados. Um elemento que é comum à ambas concepções é a ‘espiritualidade’ (o que não significa necessariamente ‘religião’). Nisso, devemos levar em conta que na tradição chinesa a espiritualidade não se separa da prática cotidiana, material, nem do pensamento ou da filosofia (o que envolve a ciência). Não pelo menos como aqui no ‘ocidente’.

Religiões?

O taoismo e o confucionismo, não nasceram como religiões, mas foram tornados como tal por ‘alguns grupos ou linhas de pensamento’ com o passar do tempo. Mas, existem grupos, linhas e adeptos do taoismo, por exemplo, que o praticam de forma ‘não-religiosa’, mas como ‘prática de vida’, o que envolve, além de seus princípios fundamentais e conceitos, certa espiritualidade (leia-se religião aqui, a prática institucionalizada da crença). Então, reduzir estas concepções em mera religiosidade é não dar a devida atenção para suas histórias e todos os conhecimentos que elas representam.

Integração cultural

Na história costumamos trabalhar dois conceitos para a melhor compreensão de fenômenos e relações históricas: ‘choque cultural’ e ‘integração cultural’. O choque geralmente se dá quando duas culturas diferentes entram em contato e não se integram, ao contrário, acabam se estranhando e combatendo uma a outra. Já a integração, é justamente o contrário, acontece quando estas culturas interagem e uma influencia a outra, formando muitas vezes uma nova realidade sociocultural. E foi isso o que aconteceu entre estas diferentes concepções, culturas ou conhecimentos.

O taoismo antecede o confucionismo e o budismo na China

Por desinformação ou interesse ideológico, já vi pessoas dizendo que o taoismo copiou o budismo. Para saber se isso é verdade ou não, é fundamental olhar para a história destas concepções e da própria China. Quando o budismo chega na China, por volta do século II depois de Cristo, o taoismo, assim como o confucionismo já existia(m) há séculos naquele território. O que aconteceu foi uma influência mútua entre estes 3 grandes conhecimentos (porém nem toda linha de pensamento e prática taoista se influenciou pelo budismo e/ou pelo confucionismo, algumas sim). Já com o budismo, foi diferente, tanto que ele assume um ‘caráter chinês’ quando entra em contado com estas concepções que já existiam na China antes da sua chegada. Nisso, o budismo indiano acaba absorvendo algumas ‘características chinesas’, sobre tudo taoistas (o que deu origem ao ‘budismo chan’, por exemplo). Ou seja, aconteceu bem o contrário do que alguns pensam, sendo o budismo o mais influenciado nesta ‘integração cultural’ dentro da China, originando assim, inclusive, o que podemos chamar de  ‘budismo ao modo chinês’, que é bastante popular no meio do Kung Fu, diga-se de passagem (aí temos o famoso templo de Shaolin, um monastério budista onde alguns ‘estilos’, não todos, de Kung Fu se desenvolveram).

Contudo, é importante destacar que o taoismo é anterior ao confucionismo, já que também inspirou Confúcio em alguns aspectos de seu pensamento (conceitos, princípios e ideias), o que está claramente registrado nas suas escritas (para uma melhor compreensão deste fenômeno é necessário certo estudo conceitual e relacional entre as obras destes pensadores e seus contextos históricos). 

Para melhor visualizar esta questão, a localização dos períodos históricos é fundamental. Se pensarmos a origem destas concepções a partir de seus principais pensadores (como sendo fundadores das respectivas filosofias/religiões), veremos que ambas são praticamente contemporâneas, ou pelo menos do mesmo século, onde algumas fontes trazem:

- Lao Tse, taoismo, por volta do século VI a.C. (cerca de 500 a 600 anos a.C.) 

- Kung Fu-Tsu (Confúcio), confucionismo, por volta do século VI a.C. (cerca de 400 à 500 anos a.C.)

- Sidarta Gautama (Buda), budismo (na Índia), por volta do século VI a.C. (cerca de 500 à 600 anos a.C.)

Referente às principais obras e escrituras que inspiram ou, em outra perspectiva, fundam estas concepções, temos:

- ‘I Ching’, versão 'lendária': cerca de 3000 a.C., hipótese 'histórica': cerca de 1122 /  1150 a.C. (citado como uma das principais obras assimiladas pelo taoismo, parte importante na constituição desta filosofia)

- ‘Tao Te Ching’ de Lao Tse (taoismo), cerca de 500 a.C.

- Clássicos confucianos, cerca de 500 a.C. /  ‘Analectos’, entre 500 à 200 a.C. (confucionismo)

- Escrituras budistas como o ‘Tripitaka’ (budismo), de 500 à 100 a.C.

A partir destas informações relacionais ou comparativas, podemos perceber que ambas concepções, tendo como ponto de partida seus pensadores e/ou escrituras, são mais ou menos contemporâneas. Porém, segundo as fontes mais usuais, o budismo só chegou na China, por volta do século II depois de Cristo (200 anos d.C.), o que comprova que entre as 3 concepções de maior projeção no pensamento chinês, o budismo é a mais recente. Portanto, o taoismo, definitivamente, não copiou o budismo, no máximo, em alguns aspectos e em ‘algumas linhas’, absorveu algumas características dele. O budismo, por sua vez, foi quem mais sofreu influência taoista da sua inserção na China.

O taoismo antes do nome

Uma terceira via de percepção, concepção ou crença, diz que muito antes do taoismo ter este conceito ou nomenclatura, ele já existia, pois muitas práticas e princípios que passaram a ser chamados de ‘práticas taoistas’ datam de milhares de anos antes de Cristo. Alguns remontam estas práticas ao séc. XVII a.C. (cerca de 1600 anos a.C.), outros ainda, ao séc. XXVI (cerca de 2500 à 3000 anos a.C.). O Chi Kung (ou Qi Gong) por exemplo, muito antes de receber este nome, já era praticado nos interiores da China antiga, assim como já eram feitos estudos relacionados à tratamentos e curas através do uso de plantas e técnicas energéticas, que foram desenvolvidos por antigos mestres e mestras da natureza, uma espécie de xamãs nativos, como são chamados aqui da América, que mais tarde foram identificados ou nominados de taoistas. Foram destes conhecimentos milenares organizados e registrados que nasceu a MTC (Medicina Tradicional Chinesa), o que é muito relacionado ao conhecimento taoista, como herança destes antepassados que, provavelmente não se autodenominavam. Por isso datar o taoismo é algo sempre arriscado, já que ele se constituiu ao longo do tempo, e assim, tem origem incerta, relativa ao que se considera na sua caracterização. 

Em suma, o fato é que, quando grandes concepções se relacionam e dialogam, enriquecem o mundo, a história, o conhecimento, e independente do nome que carreguem, são valores que no mínimo contribuem para uma vida mais ampla, plena e possível de ser vivida.