segunda-feira, 30 de abril de 2018

Kung Fu e Chi Kung: reflexos na vida


Como transformar problemas ou dificuldades em potência através do Kung Fu?

Nasci com problemas de saúde. Bronquite asmática uma ‘alergia climática’. A segunda me acompanha até hoje. Da bronquite fui curado por uma benzedeira (‘cura quântica’, através da energia e ‘espiritualidade’, acompanhada por algumas práticas ou cuidados e xarope caseiro com plantas, conhecimento nativo, indígena-caboclo – algo muito semelhante e que tem a mesma essência da medicina taoista), além do trabalho minucioso da minha mãe em me disciplinar para o tratamento que durou alguns anos. Foi bem nesta época (da cura), em meados dos anos 90, com em torno de 12 anos de idade, que comecei meu caminho no Kung Fu e Chi Kung. De ‘herança’ deste nascimento e crescimento frágil, fiquei com problemas de imunidade, sempre balançando, ou seja, instável. Por isso, para alguém como eu, certos cuidados são necessários. Mas não torno isso paranoia. Vivo! E sou dos que vivem com certa intensidade. Tendo consciência desta minha condição, e este é o primeiro passo para lidar com o ‘problema’. E é no Kung Fu e Chi Kung (além das artes e filosofia), que tenho suporte e energias suficientes para buscar ou ter meu equilíbrio existencial. Meu amigo bigodudo, o grande filósofo alemão F.W. Nietzsche, sugeriu que ‘a dificuldade seja transformada em potência’, e eu como bom ‘discípulo’, segui seu apontamento. E é isso que o Kung Fu me dá, potência! Não aquela potência relacionada a força física, a masculinidade, tão comum no espírito de quem ainda não superou a tradição patriarcal que ainda predomina na sociedade, mas a potência em ter energia boa para seguir e manter-se equilibrado no ‘caminho’ (leia-se Tao).
Já que o tema aqui é relacionar a prática do Kung Fu (inclui-se aqui o Chi Kung e o Tai Chi) com a vida, tenho uma outra ‘revelação’ para fazer. Sofro (ou sofria?) de um tipo de ‘bipolaridade’. Num passado não tão distante, antes de meu ‘retorno’ cotidiano ao Kung Fu (praticava aleatoriamente durante anos), meu estado de espírito (humor ou irritação) mudavam da água para o vinho. Me baixava algo que não controlava. Questões socioculturais me afligiam com muita facilidade. Era fácil explodir. Mas, como nunca fui violento, eram as palavras ou meu silencio que batia nos outros. Sempre cuidei para isso não acontecer, tanto que, a grande maioria dos meus convivas não sabem (ou sabiam) disso. Mas acredito que meu grau de ‘bipolaridade’ nunca foi dos mais severos. Às vezes dava alguma porrada em parede. Arrebentava a parede ou a mão. A música e a poesia me salvaram por várias vezes (e salvaram outros). Mas, foi com a prática interna (Chi Kung) e com o Kung Fu que ‘me curei’. Ou pelo menos, tenho controle total (ou quase isso) deste meu ‘karma’. Faz pelo menos 8 anos que não tive mais ‘surtos’. A maioria destes ‘surtos’ eram traduzidos em silêncio e falta de alegria, o que também me deprimia muito. Um grau de depressão também carregava junto a este problema. E isso, esta sensação de desistir do mundo, já não me afeta mais. Tenho alegria em estar no ‘caminho’ – em viver. Para encerrar as ‘revelações’ (risos), nem tudo é problema. Quer dizer, depende. Tenho um talento nato. Sou sensitivo (além do olfato e paladar apuradíssimos). E esta super-sensibilidade me traz coisas muito boas. Porém, em muitos casos também, sofro, pois, sinto as coisas alheias e tendo a compartilha-las a modo de diminuir a dor ou problema dos outros. Mas acho que isso não é consciente. A parte boa, é que raramente me engano com alguém ou algo ideológico e psicológico. Já me disseram, mais de uma vez, e mais de uma pessoa, que eu poderia ser um bom psicólogo. Mas não investi nisso (se bem que já tive minhas leituras de Lacan e Freud, entre outros - risos). E nisso, nesta empatia potencializada, também tenho o Kung Fu como um ‘regulador’, pois até nisso preciso de certo ‘equilíbrio’. Muitas vezes, isso significa ‘ignorar’ este ‘talento’ ou ‘problema’ (depende do caso, é um ou é outro). Em suma, hoje, vivo razoavelmente bem com estas questões que me tornam um tanto intenso. Por isso sou crítico e busco, preciso estar sempre ‘ativo’ em minha consciência. Porém, o ‘mergulho no vazio’, o ‘deixar ir/passar’, o relaxamento externo e derretimento interno, proporcionados pela prática cotidiana do ‘Chi Kung Fu’, me são necessários, fundamentais para certa ‘saúde existencial’.
Usei meu próprio caso para mostrar o quão o Kung Fu (o que o grande mestre brasileiro Leo Imamura, do clã Moy Yat, um dos grandes do Wing Chun na América Latina, chama de ‘vida Kung Fu’) é importante. Mais que uma ‘luta’ ou um estereótipo (imagem), o Kung Fu é um ‘caminho de vida’, onde certo ‘equilíbrio’ é seu fundamento principal. Das suas habilidades proporcionadas, o ‘combate’ de um ser contra outro, é apenas um aspecto, e talvez, o menos importante nos dias de hoje. Era mais necessário no período imperial da China, onde cada um tinha que se virar como podia para sobreviver. Hoje, a realidade é outra, todos sabem (ao menos que a paranoia assuma o lugar da consciência plena), ‘o combate é de si contra seus próprios demônios’. Não desconciderando o quesito técnica de combate (ou ‘luta’), mas, o Kung Fu é muito mais que isso. Os trâmites da minha vida pessoal descritos acima, são um exemplo disso. Devo muito ao acesso que tive a este profundo e grande conhecimento. Aos meus vários professores/as. Devo muito, além das boas pessoas que me cercam, das artes e da filosofia, ao Kung Fu e Chi Kung, e ao taoismo filosófico (o qual me dedico bastante atualmente).

Viver o presente para além do bem e do mal

Devido a uma forte conjuntivite, de hora em hora, sob orientação médica, tive que fazer um emplasto nos olhos com gase e água gelada, ficando imóvel e em silêncio por 20 minutos. O que poderia ter sido ruim ou chato, me proporcionou meditação ('mergulho no vazio' - leia-se taoismo) a cada uma hora, e foi o que fiz. No segundo dia (até sarar), mudou, e o ‘ritual’ do ‘emplasto meditativo’ passou a ser de 4 em 4 horas. Foram 6 dias de tratamento e ‘mergulho no vazio’ neste tempo, praticando respiração, derretimento interno -relaxamento externo, auto-contenção/retidão, atenção plena, deixar ir/passar (conceitos taoistas e budistas), além do trabalho com energia (Chi Kung). Aproveitei o momento de dificuldade para praticar e aprimorar meu estado espiritual-energético e existencial. Além disso, também aproveitei o ‘molho’ (ficar em casa) - sou afortunado, tenho um quintal com muita vida (plantas, árvores) em casa - também investi na prática do Chi Kung, Tai Chi e Wing Tjun, 80% ‘internos’, no mínimo, com variações à prática ‘externa’. Não que isso não seja comum na minha rotina, mas nesta quantia, nem sempre é possível. Dias de práticas em algo muito concentrado, o que me rendeu certo avanço dentro do Kung Fu e do Chi Kung.
Em suma, tudo o que relato acima, assumo, não nego, admito, tenho consciência, pois isso faz parte do meu ser, dos meus dias, da minha história, coisas não ignoradas ou tornadas peso, mas sim, aprendizado, conhecimento. O primeiro passo para uma superação é admitir o problema em si próprio e buscar um ‘caminho’, rumo ao equilíbrio de ser-estar e viver. E foi isso de mais valoroso que aprendi com o Kung Fu e com a filosofia taoista.
Espero com este texto, contribuir, de uma forma ou de outra para um melhor ententimento do que seja o Kung Fu, dos benefícios e habilidades que o mesmo pode proporcionar, assim como, poder ajudar leitores/as que venham a buscar o ‘caminho do equilíbrio’ como eu fiz ou faço. Por isso agradeço aos amigos e familiares que me cercam, aos praticantes, sifu’s e mestres com quem mantenho boas relações, assim como meus alunos e irmãos da AFWK. Pessoas importantes na constituição deste ser que vos fala. Dividimos e compartilhamos nosso tempos. Enfim... Não há fim. Obrigado!

"Fluindo Mente, Corpo e Energia = Equilíbrio!"



sábado, 28 de abril de 2018

As instituições e o Kung Fu: um olhar para o relativo


Quem vive nele, sabe que o ‘meio marcial’ é repleto de discursos, ideais, controles, interesses, políticas ou ideologias, e senso comum, infelizmente. Um destes discursos diz que uma associação ou escola para ser ‘confiável’, precisa ser filiada a alguma federação, possuir alguma sigla oficial registrada, que a identifique e prove sua ‘qualidade’ e ‘seriedade’ quanto seus conhecimentos e atuação. Mas, quem define, concebe, legitima, e prova isso? Existem iluminados que tem este poder real, de dizer aos quatro ventos quem é o quê neste mundo (que às vezes parece gueto) dito marcial? Sites oficiais ou não, não comprovam, mas sim, podem ajudar. Assim como as linhagens.
Moro numa cidade onde existe uma escola de um ‘estilo marcial’ dito pelo discurso ‘publicitário’ (lembremos que publicidade é algo encomendado, pago) ‘um dos mais eficientes em defesa-pessoal do mundo’. E esta escola ‘representa’ a maior instituição deste estilo no mundo todo (israelense). Já fiz uma aula nesta escola e com seu professor. Na oportunidade também estava seu ‘mestre’, entre outros professores de outros estilos e alunos. E acontece que, me saí bem em uma troca de experiências com um dos alunos mais experientes daquele estilo naquele momento, e o ‘mestre’ interferiu dizendo que ‘fiz errado’. Questionei: ‘se fiz errado e me dei bem acima do oponente, não teria sido certo?’. O tal ‘mestre’ não gostou e quis me mostrar, chutando minha perna de verdade, fazendo algo bem diferente do que era proposto naquele treino (eu, ao contrário, segui as orientações, só usei da minha ‘habilidade’ em Wing Chun). E antes mesmo de eu questionar novamente, desta vez sua atitude, o dito ‘mestre’ se retirou rapidamente, ignorando o que eu começara a falar. Doutra feita, um dos meus melhores alunos (por livre e espontânea vontade) fez uma visita nesta mesma escola, anos depois, ela já bem mais estruturada e representante desta famosa e reconhecida sigla internacional. O professor não sabia que o visitante era meu aluno. Treinou com ele e teve algumas ‘surpresinhas’. Tratou logo de mandar um aluno seu treinar com o meu. Conto esta história, pois, sou fundador e professor de uma associação ou escola, a partir de conhecimentos próprios e referências externas com que tive contato e aprendi, a maioria de forma ‘informal’ (professores que não pertenciam a agremiações), mas também tive meu caminho formal/oficial (não se preocupem com isso - risos). Ou seja, enquanto associação, não pertencemos à uma sigla internacional, nem federação. Não possuímos ou seguimos uma linhagem em específico. Estudamos bastante, com honestidade, sinceridade e respeito aos conhecimentos que acessamos. Nisso, a questão é: não ser reconhecido ou registrado oficialmente sob a sombra de alguma instituição 'oficial', nos torna menos conhecedora enquanto escola ou associação, menos verdadeira, coerente ou digna? Assim como não seguirmos ou possuirmos uma única linhagem em específico nos torna ‘impuros’ dentro do sistema que estudamos/praticamos e cultivamos? Quem ou o quê, e como se determina isso? Sei de organizações (famosas) que cobram mensalidade, ganham muito dinheiro com isso, mas não fornecem o fundamental aos seus filiados: equilíbrio, dignidade, honestidade, sinceridade para com os estudantes. Outro caso, foi de uma ex-aluna que foi embora da cidade para o sudeste do país, São Paulo, e apaixonada pela arte, buscou seguir no Wing Chun em outra escola. Foi numa bastante conhecida. Chegando lá, segundo o que ela mesma me relatou, não foi bem tratada, e também não se sentiu bem praticando, achou o ‘modo’ muito ‘duro’, mecânico (yang), sem as variações para ying. Quanto a isso, tudo bem, existem diferenças consideráveis de uma escola e seu modo para outra. Mas, quanto ao tratamento, quando é ruim, não há como relativizar. E falo de uma escola muito mais conhecida do que a nossa, que possui mestre, linhagem, marca registrada e etc. Por fim, acabou trocando o Wing Chun por outro estilo, onde fora bem recebida e tratada.
Portanto, não é a questão de ‘ser ou não ser’ oficial que vai fazer com que a associação, escola, professor ou ‘mestre’ seja algo realmente sincero e coerente com o conhecimento. É preciso mais que isso (esta checagem com vistas ao ‘oficial’) para se ter realmente um espaço que dignifique o conhecimento, e principalmente, a humanidade que é (ou pelo menos deveria ser) o grande motivo destes espaços. Sim, algumas pequenas associações, não oficiais, iludem seu estudante. Existe, acontece. Mas, também existem as grandes, oficiais que fazem o mesmo. Por isso, além da pesquisa, é preciso dialogar, buscar os fundamentos, perceber o âmago da questão, que não é o que está publicado, mas o que está ‘internizado’. No passado, grande mestres nem escolas tinham, ensinavam dentro de sua família, sua vila ou comunidade - e isso ainda existe. Um conhecimento como o Wing/Weng Chun que não era oficial, pois, na época, era ‘proibido’, tanto que formaram-se ‘sociedades secretas’ para seu cultivo, é um bom e claro exemplo disso. Nos recantos da China ainda existem alguns mestres ou famílias que atuam desta forma. Muito humildes, sem nada ‘registrado’ oficialmente, mas, historicamente de imensurável valor. E lá está um conhecimento profundo, sincero, que vai além dos estereótipos que infestam o mundo dito marcial, distorcem muito das coisas e são usados como ‘legitimação’, não do conhecimento em sim, mas do discurso sobre ele.

“Nunca teste a profundidade de um rio com os dois pés” (Confúcio)

Entendo a preocupação de alguns professores quanto aos problemas referentes ao conhecimento dentro do Kung Fu, mas, nisso, certa relatividade deve ser considerada. Com isso, não estou negando, subestimando ou detratando o que é ‘oficial’ em Kung Fu, não é isso. Apenas ‘problematizando’ algo que o senso comum ou o interesse particular prolifera como se fosse uma ‘verdade única e absoluta’. Enfim, você que não vive o ‘mundo Kung Fu’, mas tem interesse em ingressar, ou está ingressando, não caia em discursos e retóricas que determinam e reduzem uma história, uma realidade complexa, dinâmica e ampla. É preciso experimentar, muito mais do que se deixar seduzir pelas ‘marcas’, discursos e estereótipos. Enfim. Espero, mais uma vez, com isso, colaborar na reflexão e discussão em torno do que move e deixa viva esta arte da qual vivo todos os dias, de um modo ou de outro...


domingo, 15 de abril de 2018

Taoismo: alguns conceitos e princípios fundamentais


 ·         Voltar-se à natureza (contemplação da natureza)
A natureza apresenta um equilíbrio inato. Para nos harmonizarmos, basta, portanto, contemplarmos a natureza e tomá-la como referência em nossas atitudes e pensamentos. Aproximar-se da natureza, integrando-a é um caminho fundamental na vida e prática taoista.

·         Não-ação
Um princípio muito importante do taoismo é o wu wei, termo da língua chinesa que significa "não agir". Segundo esse princípio, é através do não agir que encontramos o equilíbrio. O taoismo parte do princípio de que a natureza é, intrinsecamente, equilibrada ou harmoniosa: nesse sentido, qualquer ação nossa, mesmo que seja bem-intencionada, pode perturbar essa harmonia.
Logo, o melhor que temos a fazer é procurar minimizar ao máximo nossas ações no universo, limitando-as ao ‘mínimo indispensável’. Assim fazendo, ou melhor, "não fazendo", seremos mais equilibrados junto à natureza e o universo. É um conceito que encontra ressonância em certo pensamento ecológico atual, que procura minimizar o impacto das ações do homem no meio ambiente.
A natureza (modelo de equilíbrio do taoismo) também é regida pela ‘não-ação’: nela, não devem existir ações desnecessárias. Todos os seres vivos somente agem segundo a necessidade e a natureza. Caso contrário, eles estariam desperdiçando energia vital e interferindo no equilíbrio da natureza, de si próprio, do outro, do planeta, da vida.
A ‘não-ação’ taoista tem relação aproximada ao ‘deixar ir’ ou ‘deixar passar’ do budismo, que acompanha o fluxo das coisas em movimento.
O filósofo e sociólogo italiano Domenico de Masi defende um princípio semelhante à não ação taoista, o que chama de "ócio criativo". Segundo esta filosofia, é nos momentos de ócio que o homem se torna mais criativo. Por esse motivo, segundo Domenico, a sociedade deveria tornar mais frequentes esses momentos de ócio.

·         Suavidade, relaxamento e flexibilidade
O taoismo defende que a suavidade, o relaxamento e a flexibilidade são mais eficientes e harmoniosos que a força e a rigidez. Por exemplo: as gotas de água, caindo constantemente sobre uma rocha, conseguirão, um dia, perfurá-la, apesar de a água ser muito mais mole que a pedra. Segundo o taoismo, devemos ser flexíveis em nossas atitudes e opiniões, como a água, que se adapta ao ambiente em que está (um aquário, um riacho, o oceano etc.).
Uma aplicação desse princípio são os movimentos lentos e relaxados do Chi Kung e do Tai Chi Chuan. No Tai Chi, o corpo deve sempre se manter relaxado, de modo a não obstruir o fluxo de energia vital que circula naturalmente pelo corpo. Qualquer tensão muscular tende a obstruir esse fluxo, gerando doenças físicas e psíquicas.

O suave e o fraco vencem o rígido e o forte
"Os mestres taoistas ensinam que todas as ações e reações, todas as atitudes de suavidade e fraqueza, como contrárias a força bruta, vencem as ações de força e rigidez, e o exemplo que ilustra este conceito é o que se observa na natureza, num momento de tempestade: as vegetações suaves e flexíveis se curvam e voltam aos seus lugares passado o temporal, enquanto as árvores rígidas e secas ficam sujeitas a se partirem pelo caule ou terem seus galhos quebrados pela força dos ventos fortes. Um tornado é capaz de arrancar uma árvore inteira do solo onde estiver plantada, trazendo junto sua raiz, mas não consegue arrancar do chão um único talo de grama, que é pequeno e flexível. Da mesma forma, nada é mais fraco e suave que o vazio, e por mais forte que uma pessoa seja, jamais conseguirá atingi-lo com ou soco ou pontapé - este permanecerá imóvel e sereno, suave e fraco diante da força deflagrada pelas mãos ou pelos pés de qualquer ser humano. Assim, durante as tempestades emocionais, os mestres ensinam que a pessoa precisa ter a sabedoria de se colocar como o pequeno, suave e flexível, evitando demonstrar força e rigidez para não ser o primeiro a se quebrar." (comentário do mestre taoista Wy Jyh Cherng, a partir do Tao Te Ching de Lao Tse)

·         Simplicidade (humildade)
Lao-tsé aconselhou as pessoas a procurar imitar a água, que sempre flui. Nisso, as pessoas deveriam procurar se colocar nas posições mais sutis da sociedade, evitando disputas por cargos e privilégios, ou por poder. Ou seja, não almejar e disputar poder, que para o taoista também é ‘ilusão’. Quanto mais poder se acha que tem, menos se vive. A riqueza não é algo material, mas algo sensível, como saúde, tranquilidade, bom senso, serenidade, flexibilidade, equilíbrio. A nível social e pessoal, isso traria mais equilíbrio à sociedade.

·         Generosidade
Segundo Lao-tsé, devemos imitar a natureza e sermos generosos, dando sem esperar receber nada em troca. Pois a natureza nos oferece abundantes recursos naturais, sem nada nos exigir em troca. A nível pessoal, este comportamento nos trará amigos e boas relações. A nível coletivo, evitará disputas por riquezas. O sábio taoista é altruísta: como diz Lao-Tsé no Tao Te Ching, "riqueza é, para o sábio, o que ele faz pelos outros".

·         Não-violência
Lao-tsé aconselhou os governantes a evitar ao máximo a violência, recorrendo a ela apenas em último caso. E, em caso de vitória, não a comemorar com alegria, caso ela tiver sido obtida através da violência.

·         Evitar excessos (entre eles, o excesso de normas e proibições)
"A presença de um verdadeiro chefe de Estado
É sentida pelo povo como ausência"
(Lao-Tsé – Tao Te Ching)

Segundo o taoismo, o excesso de normas e proibições demonstra a decadência moral de uma sociedade, pois o homem virtuoso faz o bem de uma forma natural, espontânea, sem a necessidade da existência de regras. Se uma sociedade tem de criar muitas regras, é porque ela está corrompida. Segundo a filosofia taoista, o excesso de regras é inútil: ela apenas estimula os criminosos a inventarem novas formas de burlar as leis. Um governo equilibrado deveria governar através de seu exemplo, assim como seu governante, com humildade ou simplicidade. O excesso de normas e poder aprisiona o homem, dificultando o pleno desabrochar de suas potencialidades e a livre expressão de sua natureza.
Devemos, ao invés disso, ser fiéis a nossa natureza interior, procurando ser espontâneos. Disso, resultará saúde e felicidade.
“Remova o que é falso e só a verdade permanecerá” (máxima taoista)

·         Equilíbrio
“Nem muito, nem pouco. O suficiente!”
Fluir ‘mente, corpo e energia’, aliados e masterizados, chega-se ao ‘equilíbrio’, fundamental conceito e estado existencial taoista. Uma pessoa equilibrada com sigo mesma, com os outros e com o meio, tem uma vida rica em energia, flexível e abundante nas boas relações sociais e com a natureza, além de adquirir ‘consciência plena’, outro conceito que, como o ‘equilíbrio’, se liga ao ‘caminho do meio’ budista. Sensibilidade e sabedoria para viver seu tempo (o presente), é uma das características de um ser equilibrado.
Estes são alguns dos principais conceitos que caracterizam o taoismo enquanto filosofia, princípio e modo de se ‘estar’ na vida, aprendendo que ‘vida é equilíbrio’ e ‘viver é um caminho’ não um fim.

Fontes: diversas (livros, sites) e conhecimentos próprios.



segunda-feira, 2 de abril de 2018

Desequilíbrio em ‘Fogo’: um problema que afeta o Kung Fu

* análise a partir da série 'Avatar, a lenda de Aang'

(dedicado aos colegas professores Guilherme Amaral Luz e Jerônimo Marana - obrigado pelas integrações!)


Alguns meses atrás, dois colegas professores de Kung Fu me sugeriram escrever sobre a série Avatar, a lenda de Aang, por ser uma animação que traz elementos essenciais do Kung Fu. A melhor produção neste sentido que já vi (e já vi várias). Avatar é um desenho concebido a partir de pesquisas, onde alguns sifu’s (mestres) de Kung Fu e/ou alguns pensadores taoistas, budistas e confucionistas, além de aplicarem os estilos de Kung Fu envolvidos no desenho e elaborarem os movimentos dos personagens, forneceram os fundamentos filosóficos-conceituais usados durante todos os capítulos da série. Isso faz com que Avatar seja um desenho riquíssimo em filosofia, concepções e conceitos que compõem o Kung Fu enquanto modo de vida e/ou postura sociocultural. Como a série é longa, vou deter-me (neste texto pelo menos) em falar do Episódio 16 da 1ª Temporada de ‘A lenda de Aang’, intitulada de ‘O Desertor’, relacionando-a com certos elementos da realidade atual.

"Energia e matéria sem mente equilibrada produziu a bomba atômica (por exemplo). Por isso estudamos e praticamos Kung Fu integrando energia (espírito ou alma), matéria (corpo) e mente (consciência) em equilíbrio (leia-se Ying-Yang). Ciência física e tecnológica sem Filosofia (reflexão humana) gera 'guerra' e prisão, não 'paz' e liberdade." (Herman Silvani, inspirado no documentário 'Avake', sobre Yogananda)

Dentro do conhecimento abrangente do Kung Fu (e leia-se aqui Kung Fu como um conceito dinâmico e ampliado, para além da luta ou prática técnica ou física – ou seja, um conhecimento que traz profundos preceitos, conceitos e concepções filosóficas, o que reflete numa condição existencial, num modo de vida ou pelo menos de se posicionar perante a vida e suas nuances, em suma, uma postura de ser-estar), na AFWK, trabalhamos os 4 elementos (Água, Terra, Ar/Vento e Fogo) como conceitos fundamentais de nossa prática (tanto filosófica quanto técnica), sendo eles, formas ‘simbólicas’ (que resultam em ações práticas físico-existenciais) de se atuar ou se mover dentro de certo contexto. Falo aqui em ‘intensidades’. Então, um destes elementos é o Fogo, e é dele que este episódio (16) de Avatar trata com muita propriedade.


O Fogo é elemento intenso, forte, pode ser devastador (contra o outro, mas também, contra si próprio, quando mal equilibrado), contínuo, dissimulante, portanto, talvez, menos estável, e por assim ser, o mais difícil de se lidar (administrar, dominar, controlar, equilibrar, usar). No nosso modo ‘organizacional’ de praticar (a partir da conceitualização), na ordem de ‘dominação’ (só para fazer referência ao desenho Avatar) e de trabalhar estes elementos, o Fogo é o último, só adquirido depois de ter bom domínio dos demais - na ordem: Água, Terra, Ar/Vento e por fim, Fogo. Mas, o trabalho de controle dele em si, começa já no início da prática. Não é o mais importante dos elementos (isso é relativo à necessidade de uso), pois cada elemento tem características próprias e suas funções, mas, certamente, o menos usual. Ou seja, o Fogo só é utilizado em casos mais ‘extremos’, quando a necessidade chamar. Caso contrário, é bom que não se use (como também fica claro na fala do ‘mestre Desertor’ neste episódio da série), devido a fatores já mencionados acima – pois para bem usá-lo, como eu já frisei, é fundamental bem dominá-lo ou administrá-lo, mas, para isso, é preciso certo preparo energético-espiritual, mental-psicológico-emocional e intelectual e físico. Ou seja, é um caminho um pouco longo de se trilhar. Sabe aquela máxima popular: ‘Quem mexe com fogo pode se queimar’?, então, ela aponta um pouco desta ‘problemática’. Em síntese, o Fogo por ser pulsante, vivo, difícil de controlar, pode consumir tudo, ser destrutivo, quando mal administrado, mal controlado/dominado, mal usado ou mal equilibrado. Por isso é o elemento que menos se usa na prática física e na vida Kung Fu. Mas, infelizmente, não é o que alguns praticantes (mestres, professores, estudantes e até entusiastas) fazem.

Grande parte dos seres humanos não tem consciência do Fogo em si, também por isso, não percebem (quem dirá controlam) sua manifestação na vida. Por isso também da existência e importância dos sifu’s (mestres ou professores) neste caminho (o do conhecimento e bom uso – ou uso equilibrado – das forças ou elementos da natureza e seu papel na prática sociocultural, que envolve também a política – leia-se aqui, política como um conceito ampliado, que vai além da disputa dualista e ideológica). Mas, alguns destes sifu’s, infelizmente, parecem desconhecer ou não saber destas suas importâncias e responsabilidades, sendo ou agindo da forma Fogo, sem o domínio, consciência e equilíbrio fundamental, em algumas (ou várias) situações no percurso da vida, o que causa certo ‘desequilíbrio’ nas relações e práticas sociais, quando o papel de um sifu, deve(ria) ser oposto disso, ou seja, orientar seus alunos para uma prática saudável, flexível e equilibrada.

No episódio de Avatar em questão (16), Aang, lá pelas tantas, vence um ‘mestre do Fogo’, depois de aprender o fundamental com o ‘mestre Desertor’: ser consciente e equilibrado em seus pensamentos e ações, sem usar um único ataque, um único golpe (não usa o Fogo para ‘vencer’) contra o mestre que lhe ataca. Melhor dizendo, o ‘mestre’ se auto-derrota ao incendiar seus próprios navios, justamente por não ter controle e bom uso deste elemento, enquanto o Avatar usa sua inteligência, sua habilidade do Ar/Vento e aprendizado da ‘não-ação’ (ver conceito no taoismo) e do ‘deixar ir ou passar’ (ver conceito no budismo), a partir do treino de controle do Fogo interno, em si próprio (pois Fogo simboliza também ‘guerra’ ou ‘espírito bélico’) para ‘induzir’ os ataques desorientados do ‘mestre do Fogo’ (desequilíbrio do Fogo em si próprio) contra ele mesmo. Aqui temos uma relação entre Ying (estado de espírito do Avatar na sua ‘auto-defesa’ – que equilibrado com Yang, rendeu-lhe sucesso na situação) e Yang (estado de espírito do mestre do Fogo que atacou Aang – excessivamente, o que causou seu infortúnio), sendo que, bastou Aang equilibrar seu ‘estado de espírito’ (e energia) e ter Yi e Shen (intenção e consciência ou espírito) alinhados, equilibrando em si Ying e Yang, para que saísse íntegro da situação.

A prática, estudo ou treino ‘externo’ do Fogo é técnico, a partir de muita dedicação e trabalho, e da sensibilidade, que serve para ser usado em aplicações e/ou golpes (movimentos e aplicações que dão grande impacto), enquanto a prática, estudo ou treino ‘interno’, é feito através do Chi Kung, Tai Chi e da meditação (a partir das chamadas ‘artes internas’), o que é aplicado na vida cotidiana e pode ser decisório em casos de ‘auto-defesa’ e portanto, então, na relação com os outros e com o meio (seja ele sociocultural ou com a natureza). Trata-se de uma prática de ‘auto-controle’ e equilíbrio, onde a serenidade, tranquilidade, calma, relaxamento, flexibilidade e consciência plena-presencial (e o ‘deixar ir ou passar’ – ver conceito budista) são elementares (como se pode conferir no episódio 16 de Avatar, quando o ‘mestre Desertor’ treina Aang). O ‘impulso’ controlado a partir de muita prática/treino interno. Ou seja, trata-se mais do controle do que do uso do elemento Fogo, e é justamente isso que este episódio da série nos ensina.

Sendo taoista (filosoficamente falando), professor de Wing Tjun e Chi Kung (além de humanas e sociais), e praticante de Tai Chi, compreendo que, como ocidental, fui instrumentalizado por certa tradição, certos valores socio-históricos e culturais, a ser muito mais Yang (masculino) do que Ying (feminino). Todos fomos! Porém, a consciência é justamente esta, a de buscar o ‘equilíbrio no caminho’. E para isso, penso não ser necessário ser taoista ou budista, mas sim, praticar ‘artes internas’ e/ou meditação, para se ter a necessária ‘retidão’, como forma de ‘auto-controle’ e ‘consciência plena’. Trabalhar o sensível (Ying), que também é o ‘feminino’ é, dadas as condições sócio-históricas e sociais, fundamental e talvez, mais importante neste sentido e contexto, do que trabalhar o ‘masculino’ (Yang). Mas, muitas vezes ocorre o contrário, onde praticantes de Kung Fu (a partir de seus sifu’s), acabam reforçando ou exclusivamente trabalhando só seu lado Yang. De minha parte, considero isso uma redução do Kung Fu, ou um Kung Fu desequilibrado - ou no mínimo, incompleto em sua prática ou feitura.

“Uma vez recebida esta forma corporal fixa, o homem se apega a ela, à espera do fim. Às vezes chocando-se com as coisas, às vezes curvando-se diante delas. (...) Não é ele patético? Transpirando e labutando até o fim de seus dias sem jamais ver sua própria realização, exaurindo-se completamente sem saber jamais onde buscar o repouso (...) Seu corpo definha, seguido pela sua mente.” (...) Desta bagagem de valores convencionais é que o homem deve se descartar, primeiro que tudo, antes de poder ser livre.” (Chuang Tzu)

A cultura e seu masculino, não pode servir de pretexto, em pleno século XXI, século da informação e da tecnologia, para praticantes e seus professores se portarem como ásperos homens de ‘estado medieval de espírito’. Os tempos no ocidente são outros e, como estudantes/praticantes e sifu’s que se prezem e que dignificam este grande conhecimento (Kung Fu), temos a responsabilidade, o dever de nos refinarmos enquanto seres humanos mais ou menos inteligentes, conscientes de suas funções e atributos socioculturais. Nisso, Kung Fu, acima do senso comum, é um ‘estado de espírito’ e uma ‘vivência cultural’ proveniente de certa ‘educação’, onde sifu’s são os educadores. Nisso, Kung Fu é uma habilidade, não só física externa, mas espiritual e mental interna.

Esta minha análise pode ser relacionada com outra que escrevi e publiquei neste mesmo blog (antes desta), que se chama “Ações não defensivas e suas vítimas cotidianas”, pois é disso também que o uso descontrolado ou desequilibrado do Fogo trata. Por isso é que, grandes mestres que tem consciência da existência (simbólica e real) deste elemento (ou força), independente de sua crença ou não, não são muito (ou nada) favoráveis às armas de fogo. E talvez, por isso que, no Kung Fu, são as armas brancas que figuram até hoje (além da questão da tradição, da cultura e tal). Algo para se pensar, no mínimo (deixa para um possível futuro texto). Por isso também, é que estes grandes mestres insistem em dizer: ‘Seja Água!’. Pois, a Água se acomoda (não no sentido de indiferença ou desleixo, mas de ‘retidão’), se estabiliza quando necessário, assim como se transforma e age seguindo o fluxo. É um ‘estado de espírito’ (ver taoismo). Já com o Fogo, a relação é outra.

Enfim. A exemplo do Avatar, um grande mestre do equilíbrio, ‘sejamos Água!’, fluentes como tal, rumo ao equilíbrio de nós próprios, para que, como sifu’s ou coerentes e dignos praticantes de um grandioso conhecimento que é o Kung Fu, possamos contribuir com o equilíbrio do mundo, da vida, respeitando e integrando a natureza, da qual também fazemos parte.





    















     * Eis o episódio de Avatar em questão (bons estudos!):