terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A essência de nosso Fluir...

Porque Wing Tjun e Fluir?

Algumas pessoas, volta e meia, me pedem sobre o nosso Kung Fu, sobre o nosso Fluir Wing Tjun, porque escrevemos Wing Tjun e não Wing Chun ou Ving Tsun, como é mais comum.
A razão interna, se dá ao fato de nossa escola/associação ser de Wing Chun e Weng Chun Kuen, artes 'irmãs' (além do Chi Kung), como principais sistemas de estudo ou prática, e por não seguirmos uma única 'linhagem' ou 'modo' de Wing/Weng Chun.
Somado a isso, estudamos/praticamos elementos ou aspectos ('internos' e 'externos') importantes dos estilos Garça Branca (Young Chun, Foshan), 18 Mãos de Lohan, Emei Serpente e Tai Chi Chuan. Também as filosofias provenientes principalmente do taoismo, depois do budismo, e alguns aspectos também do confucionismo, como conteúdos e conceitos fundamentais nos estudos e práticas da AFWK.
Adotamos esta 'forma escrita' inspirada no sifu Sergio Iadarola e IWKA (um dos maiores sifus do WT e Kung Fu mundial atualmente), devido aos seus estudos/pesquisas na área.
Portanto, nada foi ou é inventado, tudo é pesquisado, estudado, praticado e integrado, a partir de referências e experiências, organizado em currículo próprio.

"Mente, Corpo e Energia: Equilíbrio!"

Em suma, chamamos Wing Tjun a 'soma' (não uma mera mistura - existe todo um fundamento e organização filosófico-conceitual e curricular para isso) destes conhecimentos integrados, pois ambos, possuem uma só (e mesma) essência, e é disso que se trata nossa arte, nosso 'modo': de 'essência'.

Nisso, Fluir é o nosso caminho, nossa busca, nossa prática, nossa 'essência'...

"Seja suave e constante (...) As coisas Caminham ou acompanham" (Lao Tse - 'Tao Te Ching')

* Herman Silvani (professor AFWK)




quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

‘Mestres’ do desequilíbrio do Kung Fu no Brasil

O Kung Fu, por mais que alguns não queiram saber disso, possui certos valores relacionados a sua prática. Mas, é bom que se diga, existe o Kung Fu meramente físico-externo, ou seja, que foca somente na prática física e técnica (quando não estética), e o Kung Fu interno-externo, que abrange ‘o todo’ deste profundo conhecimento, que, vai além, muito além da luta e do quesito técnico. Definindo assim, concebo o primeiro como incompleto. Nisso, Kung Fu não é um ‘estilo de arte marcial’ como muitos pensam ou dizem. Kung Fu é um conhecimento profundo, complexo, que acaba inspirando certos comportamentos, posturas, posições sociais e culturais do indivíduo que o pratica. Neste sentido, que é mais amplo, KF passa a ser uma visão, um comportamento e até um modo de vida, caracterizado por certos valores morais e condutas sócio-culturais. Conhecimento intelectual e prática que confluem em certa ‘espiritualidade’ (leia-se conceito no taoismo filosófico). Na minha escola, gosto de dizer que Kung Fu é uma arte ou conhecimento para a vida, e ao se chegar neste nível de compreensão, é o que chamo de ‘incorporação’. Ou seja, é preciso ‘incorporar’ o Kung Fu para que ele seja ‘completo’, ou no mínimo abrangente, coerente, condizente com sua história, cultura, valores, comportamentos e conhecimentos que suscita. Dito isso, vamos ao problema...

Está rolando na rede social duas polêmicas (sim, de novo!) quanto a certas atitudes de certos ‘mestres, shifus, sifus ou professores’ e ‘estudantes’ e suas escolas. Polêmicas que envolvem violência psicológica e física (existem outros fatos que eu poderia citar aqui, mas vou tentar me conter, basicamente, nestes dois). Foram ambos, fatos de violência física vinda de ‘professores’ membros de duas conhecidas ou ‘populares’ escolas de Kung Fu no Brasil, um contra um aluno/estudante, o outro contra um outro professor de outra escola de KF e seu filho. Em ambos os casos existem imagens registradas dos acontecidos. Num deles, o suposto ‘mestre’, nitidamente descontrolado, bate em um aluno, no momento de um treino, onde deveria instruir seu aluno, dentro de certas técnicas, e não ‘espancá-lo’ como se vê no vídeo. Vendo as imagens, nitidamente se percebe o ‘desequilíbrio’ do dito ‘shifu’. Um homem grande, pesado, forte, dos ‘mestres’ mais ‘pop’ que se conhece no Brasil (volta e meia aparece em programas espetaculosos de auditório exibindo suas façanhas ditas de energia ‘chi’ e etc.). E é justamente aí que mora a incoerência. Sendo eu taoista, filosoficamente falando, além de professor na área de humanas e sociais e linguagens, com especialização em educação (além do Kung Fu e Chi Kung), posso dizer que a(s) atitude(s) deste ‘mestre’ em questão não são atitudes de um ‘bom professor’. Pode ter a técnica que tiver, o sucesso em sua escola que for, mas, isso não significa que o sujeito é um bom mestre. Muito pelo contrário. Alguém chegou a dizer que ‘atitudes como as dele queimam o filme do Kung Fu no Brasil’. Sim, concordo. Mas, é só mais um a fazer isso. Certa feita, numa comunidade de facebook chamada Kung Fu Brasil, publiquei um trecho do Tao Te Ching (fundamental obra do taoismo, atribuída a Lao Tse), onde fui esculachado por alguns praticantes, professores e entusiastas do KF, e entre eles, estava este ‘shifu’ em questão. Como a citação do Lao Tse era de cunho humanitário-social, algumas palavras proferidas por este ‘mestre’ foram:

“Coletivizar a criação de autor é a monaliza dos esquerdistas. Va trabalhar e criar alguma coisa rapa! Enquanto isso vai socializando as mensalidade de dua academia pra ver no que da.
Ps: eu sou facista sim e ai?
Ps2: va esquerdar em outro lugar!
Obs: viva Churchill
viva o capitalismo! 
A Mestra Sinceridade do Templo Zulai era anti esquerda e a favor da pena de morte. Eu sou apenas um discipulo! O Budismo é altamente meritocratico. Quem pode mais chora menos” (copiei e colei – e guardei)

O assunto nem era este, mas, o nível do ‘debate’ baixou a isso. A partir deste ‘diálogo’, dá pra se ter uma ideia do caráter, do nível, e das concepções deste ‘mestre’. Nisso, outros ‘professores’ de outras escolas populares e alguns de seus alunos, somaram-se ao coro do ‘shifu’ em questão e ouve um ‘espancamento’ verbal a minha pessoa. Sorte que pratico um estilo ‘auto-defensivo’ também nas palavras, então conseguir sair ileso da situação.
Em resposta ao fato recente de agressão envolvendo o mesmo ‘mestre’, ele disse, tentando justificar o fato:
“Não é agressão, é combate real, é  Hard Kung Fu, Kung Fu não é pra fracos.. e aqui é (nome da sua escola)!”

Percebam, na frase, o ego, o clichê, o discurso moralista-publicitário.

Um dos alunos da escola em questão, presente no dia do acontecido, no mesmo grupo Kung Fu Brasil onde o vídeo voi publicado, veio em defesa de seu ‘mestre’, sua escola – e do ato de violência contra seu colega – dizendo arrogantemente: ‘venham treinar Kung Fu de verdade!’ – quer mais clichê e doutrina que isso? Nisso, penso que, algumas escolas e seus ‘mestres’ funcionam como religiões ou seitas fundamentalistas, onde o doutrinador domina e controla seus doutrinados, numa relação similar entre o ‘pastor’ e suas ‘ovelhas’.

A outra situação atual, diz respeito a um evento de arte marcial, onde um professor de Kung Fu com seu filho (menor de idade, segundo ele) assistia o evento, e pelo lado de fora do local foram agredidos por outro ‘professor’ e alguns de seus alunos, de uma escola popular também aqui no Brasil, esta do estilo Wing Chun. A mesma escola em que, uma ex-aluna minha, jovem, pouca experiência, mas muito entusiasmada, buscou continuar seus estudos, já que mudou aqui de Santa Catarina para São Paulo, e queria continuar no Wing Chun, pois se apaixonou pela arte que conheceu e praticou aqui na nossa singela AFWK. Só que, chegando no local, quando foi buscar esta escola, teve um tratamento grosseiro e ‘machista’ por parte do professor. Resultado: decepção! Tanto que, acabou migrando do Wing Chun para o Hung Gar, numa escola onde encontrou acolhimento, bom senso e respeito do professor e colegas. Aí vem aquela máxima que diz que, ‘tal professor, tal aluno, tal escola!’.
Infelizmente, este são apenas uns dos vários casos de mediocridade no meio do Kung Fu, e, vindo de ‘grandes escolas’ que muitos dizem ‘referências do Kung Fu no Brasil’. E o Kung Fu Brasileiro, muitas vezes, para quem vê além do estereótipo, é motivo de crítica, quando não piada. Mas, ele não é todo igual. Ufa! Conheço bons professores, boas escolas, geralmente mais simples ou singelas, que não figuram entre as mais publicitárias e que seus professores ou mestres não são ‘figurões carimbados’ do Kung Fu nacional. Enquanto alguns fazem panca de ‘fodões’ do Kung Fu e agem de forma estúpida, medíocre, mesquina, fraudulenta e desequilibrada, outros fazem jus ao Kung Fu, não é para o ego pessoal ou para o bolso, mas sim, para a vida.

“O que você sabe não tem valor; o valor está no que você faz com o que sabe.” (Bruce Lee)

Sem os valores, as virtudes, as filosofias que fundamentam a prática do Kung Fu, não há ‘incorporação’ - que o digam os tratados e princípios como o Wu De, Kuen Kuit, O tratado do Imperador Amarelo, entre outros -, portanto, não há o Kung Fu, mas sim, apenas uma simulação dele, uma representação, um estereótipo que, sim, muitas vezes, na parte de demonstração e esporte, assim como, ‘espetáculo’ ou ‘agressão’, funcionam bem, mas em ‘todo resto’ da vida, não. E este ‘todo resto’ é muito maior do que uma luta, um uniforme bonito, um discurso ou lema (hipócrita), uma aparência. Academias cheias não significam Kung Fu bom. Kung Fu não é feito de números, siglas, discursos ou aparências. Kung Fu digno de sê-lo é feito de virtudes e práticas condizentes com seu propósito, que é o de equilibrar a vida, não o de enchê-la ainda mais de falsas morais, estupidez, violências e mediocridades.  


  • Herman Silvani (professor de Wing Tjun Kung Fu e Chi Kung na AFWK; professor de filosofia, sociologia, história e linguagens; praticante de Tai Chi Chuan Pai Lin).




quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Defender-se de pessoas mais fortes, maiores e mais pesadas

Diferente de meros entusiastas, nós professores e/ou estudantes, quando falamos em história, devemos falar, não em verdades, mas em versões dos fatos e hipóteses dos possíveis acontecimentos. Questão de bom senso e prudência em tratar temas tão delicados como verdade e história.

A verdade existe ou é um ponto de partida (ou de vista)?

Como professor e estudante de filosofia, história e sociologia, ao invés de verdade devo me utilizar do termo fato. E os fatos podem ter mais de uma leitura, mais de um ponto de partida, isso vai depender muito do interesse e objeto a ser pesquisado/analisado pelo pesquisador, além do lugar de onde se observa, se estuda ou analisa o fato. Dentro de um mesmo contexto temos movimentos, ou seja, fatos diferentes. E o contexto, impreterivelmente, sempre deve ser levado em conta.

Dito isso, vamos à questão.

“Nunca teste a profundidade de um rio com os dois pés” (Confúcio)

Na história das ‘artes marciais’ chinesas, popularmente ditas Kung Fu, cada estilo ou sistema tem sua história (ou estória), a partir de algumas heranças narrativas deixadas pelos antepassados, sejam elas factuais, folclóricas, lendárias ou simbólicas. História que soma na composição e fundamento do estilo. As narrativas históricas (e/ou estóricas) referentes ao Kung Fu, geralmente são de cunho oral, ou seja, passadas de geração para geração, de mestre para discípulo ou professor para aluno, oralmente. Pouco se tem de registro histórico a partir de critérios históricos pesquisados e registrados por historiadores neste mundo tão amplo, controverso e conflituante do Kung Fu. A exemplo do sistema que estudo/pratico e leciono, o Wing Tjun (Wing Chun, Ving Tsun e/ou Weng Chun Kuen – entre outros), existem mais de uma versão do seu surgimento e seu motivo ou fundamento de ser. Como já foi dito acima, são hipóteses e não verdades absolutas. Na nossa escola (AFWK – Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu), elegemos, a partir de certas referências, pesquisas e pesquisadores – certas relações históricas e critérios próprios, uma versão para ‘acreditar’ e, a partir dela, fundamentar, escrever, cunhar, organizar, direcionar nossa prática. Contudo, consideramos aspectos das demais versões de que temos conhecimento, fazendo jus ao título da nossa escola: Fluir. Não haveria de ser diferente (se tem uma coisa pelo que preso, é a coerência – ou pelo menos tento). A partir disso, desenvolvemos nosso currículo próprio por uma necessidade e não por simplesmente acreditar ou seguir esta ou aquela versão histórica e esta ou aquela referência. Nele existe a parte histórica e simbólica em que nos apoiamos para fundamentar e elementar, mas sob tudo, dar significado ao nosso modo de estudar, interpretar e conceber o WT e o Kung Fu, a partir da nossa escola ou associação.

Fundamento básico do Wing Tjun: arte defensiva

“É melhor ganhar a guerra antes mesmo de desembainhar a espada”. (Sun Tzu)

Nisso, basicamente o WT surgiu por uma necessidade de ‘auto-defesa’, com uma característica interessante: “a de possibilitar que pessoas mais fracas e menores se defendam de mais fortes e maiores”. Para que isso fosse (e seja) possível, não contamos unicamente com a mera força física muscular, nem somente com os movimentos e técnicas que compõem o estilo ou sistema WT. Mas contamos com aquilo que chamamos de sua ‘essência’, sendo que, ‘técnica é instrumento e não essência’. Por isso concebemos e trabalhamos nosso Kung Fu como sendo algo maior do que uma luta. Nisso, usamos um conceito de ‘não-luta’ para bem localizar nossa arte e aprimorar nossa re-ação. Neste sentido, a história do WT é retomada a partir do seu período inicial até mais ou menos a rebelião Taiping na China (que vai por volta de 1700 à 1850 aproximadamente), onde o elemento ‘interno’ (Chi Kung - Tai Chi) era muito mais visível e presente no WT. Ou seja, Wing Tjun também é uma das chamadas ‘artes internas’ (para muitas escolas era, para outras, nunca foi, enquanto para algumas - como a nossa - é!). Foi mais ou menos a partir da rebelião Taiping que o WT começou a diluir-se internamente, onde muitas escolas ou linhagens começaram a tornar-se quase totalmente externas. Um bom exemplo disso é o caso Ip Man, onde que o grande mestre para poder ensinar seu WT em Hong Kong, para muitos alunos ao mesmo tempo e considerando a realidade das ruas na época, precisou ‘mecanizar’ o sistema, diminuindo significativamente a parte interna original do sistema. Agora, não se sabe se ele tinha o conhecimento interno ancestral, pois isso pouco fica evidente ao observarmos as escolas da chamada ‘linhagem Ip Man’ pelo mundo. O fato é que o WT não nasceu em contexto militar (dentro do exército), muito pelo contrário, nasceu com uma das intenções de se defender dele (leia-se contexto do domínimo manchu, dinastia Qing na China, 1644-1911/12), em que, para que esta ‘auto-defesa’ fosse possível, não era suficiente a força física externa (muscular) e as sofisticadas técnicas do WT, era preciso  trabalhar a energia (interna) e movimentações físicas (além das aplicações em partes vulneráveis do corpo – característica típica no sistema WT) mais flexíveis e/ou relaxadas, interna e externamente. E é disso que se trata quando falarmos em defender-se de pessoas mais fortes, maiores e mais pesadas. Ou seja, é com os elementos citados acima, bem, primeiramente ‘incorporados’ e depois bem treinados que se tem possibilidades de sair de uma situação onde uma pessoa mais forte, maior e mais pesada agarra, por exemplo, e esta é uma situação de auto-defesa, não de luta, pelo menos, não de ‘igual para igual’. Por isso dizemos que WT não é luta (simplesmente).

Wing Tjun não é luta!

“A primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos”

A ‘não-luta’ consiste basicamente em não jogar, não disputar, não atacar, não agredir, não endurecer frente a uma situação, seja ela simples ou complexa, de perigo. Ou seja, não fazer o mesmo que o agressor, mas sim, se utilizar estrategicamente das suas ações, tendo em vista o conceito anterior do ‘mais fraco’ contra o ‘mais forte’. É daí que partimos sempre, independente da realidade, pois, não é a força física que está em questão, mas sim, o Kung fu, ou seja, a habilidade, sensibilidade e inteligência estratégica mental e corporal, que fundamentalmente considera o instinto, a intuição e o entorno (terreno, situação ou contexto) no momento do acontecimento – “se auto-gerir e organizar no caos”. Aí entram conceitos como o de ‘terreno’ ou ‘território’ (este caso em específico a partir do taoismo filosófico – leia-se Tao Te Ching), o que não é nada mais, nada menos, que o próprio ‘corpo’. O uso do corpo como algo vivo, móvel, dinâmico, possível, fluente. O corpo também é expressão e movimento. E é neste sentido que, ao invés de um ‘terreno fixo’, atuamos como um ‘terreno móvel’. Para sair de uma condição de domínio é necessário integrar, dissimular, fluir. E para isso temos outros conceitos, os das intensidades dos movimentos, simbólicamente a partir dos elementos da natureza ‘água, terra (madeira/metal), ar/vento e fogo’, cada qual com sua interpretação e característica aplicadas na ação (um assunto complexo que não cabe em um texto e que é necessário compreender e praticar para desenvolver e aplicar).

Resposta defensiva

Nisso, faço um ‘recorte’ de tópicos do currículo AFWK a modo de melhor exteriorizar (teoricamente falando) uma maneira de estudar (e por em prática, pois, toda teoria vem acompanhada de sua prática, onde uma - teoria e prática – depende da outra, ou seja, elas coexistem e não podem viver em paralelos) a questão, a partir do que se tem ou se pensa quando se fala de ‘defesa-pessoal’ (tendo como base ou exemplo a defesa contra pessoas mais fortes, maiores e mais pesadas) – a partir de um princípio do Wing Tjun:

4 Níveis de ação-reação físico espacial (currículo AFWK)

* Nível sensorial:
1º Defender/Proteger/Preservar (terreno/corpo): antecipar o problema (proatividade) sem contato físico-corporal, a partir de certas ‘habilidades’, como instinto, intuição, percepção, sensibilidade, ‘visão’ (leitura espacial) e 'atenção plena' (consciência ou razão com foco no presente – leia-se budismo-taoismo filosóficos) - Fluir no tempo-espaço;

* Níveis técnicos:
2º Afastar (deixar ir ou passar): sem ou com contato físico-corporal;
3º Neutralizar: censurar ou impedir ação ou reação (ocupando espaço);
4º Aniquilar (caso extremo).

Obs.: Não submeter; evitar imobilização.
* Níveis dispostos em ordem de ação - e que serão compreendidos e efetivos somente mediante estudo presencial e técnico.

Os quatro pontos básicos fundamentais de ação:

1. Controlar o oponente: a partir da colagem/aderência nas armas (membros superiores) do agressor e terreno (corpo), a modo de controlar seus movimentos, seu espaço e tempo, impedindo seus movimentos e ataques a partir da aderência-dissimuação-aderência (em água-terra-água); assim como, controlar o espaço a partir do jogo de quadril e base/postura (membros inferiores);
2. Desequilibrar o oponente: a partir da quebra estrutural do seu eixo gravitacional de equilíbrio (linha central), a partir do ponto 1 e uso da energia (Chi);
3. Afastar o oponente: a partir dos pontos 1 e 2, separando/empurrando o agressor a partir do uso da energia (Chi) vinda do Tan Chien, criando espaço defensivo e impedindo assim o alcance de seus ataques;
4. Aplicar golpe(s) no oponente: a partir do desvio de qualquer movimento e ataque do agressor - preferencialmente com contra-ataque simultâneo e flexível (vento ou fogo) - atacar seus pontos fracos, vulneráveis, letais (mão aberta nos olhos, genitais, garganta, nuca, coluna, plexo, lateral dos joelhos), a modo de impedir sua reação e a continuidade da agressão.

Nisso tudo, temos a tão falada ‘economia de energia’ em WT e o controle de si próprio.

Possibilidade(s)

Não há magia. Há estudo, muito estudo, concentração, respiração, prática, experiência, treino. O que define uma boa arte, uma boa ação, um bom Kung Fu, não é a força ou simplesmente a técnica, nem seu título ou a autoridade sobre ele (isso geralmente é discurso), é a sensibilidade mental e física e a habilidade adquirida a partir de estudos, práticas, experiências. Para isso, é fundamental relaxar, ‘incorporar o Kung Fu’ não somente externamente, mas também internamente, pois, é ‘do interno para o externo’ que as coisas acontecem com mais intensidade. ‘Mergulhar no vazio’ antes, manifestar depois, se necessário, mas com equilíbrio (leia-se taoismo).


Herman Silvani (estudante/professor de Kung Fu e Chi Kung na AFWK; praticante de Tai Chi Chuan Pai Lin)



terça-feira, 15 de agosto de 2017

O que denominamos Wing Tjun?

Wing Chun, algumas possibilidades:

O sistema de Kung Fu criado por volta de 1700 (séculos XVII ou XVIII), em plena dinastia Qing (manchus) mais tarde batizado como ‘Eterna Primavera’, que segundo algumas fontes era o nome do Mo Gun (sala de estudo/prática de Kung Fu) no templo Siu Lam (Shaolin do Sul, China) e que também teria sido o nome de uma sala de ensaios artísticos e, clandestinamente, estudos do Kung Fu no teatro-ópera dos juncos vermelhos (ou um, ou outro - ou os dois, segundo fontes), onde atores e atrizes da trupe praticavam o sistema que, num primeiro momento, foi desenvolvido por monges do templo Siu Lam, que eram mestres nos estilos Garça Branca e Serpente (Emei) – animais que se tornaram símbolo do WT (sigla para Wing Chun), também de Chi Kung e Tai Chi Chuan (artes internas), o que somou na composição do novo sistema que surgia. Outro local de abrigo e estudo do Wing Tjun foram as chamadas ‘sociedades secretas’, também espaços de resistência ao domínimo manchu, onde o novo ‘sistema marcial’ também foi concentrado. Antes da Rebelião Taiping, o Wing Chun e/ou Weng Chun tinha fortes aspectos ‘internos’, e muitos mestres e estudantes praticavam outras artes relacionadas, como as já citadas anteriormente, por exemplo. Em algum momento da história isso começou a se perder, ou no mínimo, diminuir. Quando o Wing Chun atinge sua ‘fama’, ou se torna mais popular, a partir do cinema, de Bruce Lee e do mestre Ip Man, já pouco se vê nele seu fator ‘interno’, mas isso não significa que ele é inexistente.

Wing Chun é o modo mais popular de se nominar (escrever) o sistema, seguido de Ving Tsun, entre outros. O sistema é o mesmo, porém, com algumas variações na sua forma escrita e até concebida, estudada e praticada, conforme os modos dos vários mestres, escolas, linhagens, que aprenderam, adaptaram e ensinaram o sistema aos seus alunos através dos anos. Nisso, temos também a ‘variação’ chamada Weng Chun, e/ou os Wing Chun Kuen e Weng Chun Kuen. Estudiosos e mestres mundo afora, divergem quanto a estas ‘divisões’. Alguns defendem que a arte, o estilo ou sistema de Kung Fu é o mesmo, só que ensinado de formas diferentes, por isso das variações. Outros, que são sistemas diferentes, mas semelhantes ou ‘irmãos’. O fato é que eles vieram e possuem a mesma raiz (essência). Em algumas linhagens (como a Ip Man, por exemplo) é corrente a ideia (lendária ou histórica?) de que foi uma monja (Ng Mui) quem criou o sistema Wing Chun. Mas esta mesma ‘estória’ (ou história?) pertence também a outros estilos de Kung Fu, o que leva a crer que é uma lenda, ou uma história simbólica quanto à criação do WT.

Nossa denominação:

Dentro de todas estas ‘possibilidades’, considerando a história (ou as histórias), enquanto associação e jovem família Kung Fu, possuímos nossa denominação do termo na sua forma escrita, além de nossa ‘crença’ em uma versão desta história complexa e por vezes controversa.

Adotamos escrever Wing Tjun, o que fundamenta e da significado ao ‘nosso modo’ de conceber, estudar e praticar o sistema. Wing Tjun, em nosso fundamento, é a integração entre os estilos Serpente (a partir do ‘motor’ interno e de alguns movimentos externos e aplicações) e Garça Branca (Young Chun, Foshan), animais-símbolo do WT, somado a prática de Chi Kung, elementos das 18 Mãos de Lohan e Tai Chi Chuan, além do Wing Chun e Weng Chun Kuen.  Na filosofia e em alguns conceitos a base é o taoismo e o budismo (além de Confúcio, Sun Tzu e outros). Este ‘painel’ de elementos e conhecimentos integrados é o que chamamos de Wing Tjun. “Não é uma mera ou simples ‘mistura’ entre todos estes elementos, mas é o reconhecimento e estudo deles postos em prática, naquilo que consideramos os elementos históricos e filosóficos (conceituais) formadores do sistema ou estilo”.
O modo escrito adotado por nós, é uma ‘escolha’ que tem influência direta do sifu Sergio Pascal Iadarola e sua associação, a IWKA (um dos grandes pesquisadores e mestres contemporâneos), os mesmos que me possibilitaram estudar, pensar e conceber o Kung Fu e o WT como artes integradas, tendo em vista seus fatores ‘internos’ e ‘externos’. Minha experiência, mesmo que breve (porém intensa) nos estilos Serpente e Garça, e no Tai Chi, Chi Kung e Wing Chun, me fez, considerar e relacionar todos estes elementos, o que acabou ampliando nosso leque de possibilidades e foi fundamental para a criação da AFWK. ‘Tudo movido não por uma pretensão, mas por uma necessidade’. A importância do sifu Sergio e IWKA (também do sihing Daniel Jaeger – que fora sihing líder da IWKA no Brasil) foi a de, além do quesito conceitual e técnico, possibilitar eu fazer os devidos links (ligações) entre as artes citadas acima, e integrar estas práticas e estudos, quando, antes da minha experiência com o sifu Sergio e sua escola, não relacionava conscientemente estes conhecimentos. Tudo isso somado aos meus conhecimentos e atividades como professor de filosofia, história, sociologia, linguagens e na área da educação, fornecem as condições para que a AFWK exista enquanto escola, família e associação.

Portanto, “denominamos Wing Tjun este todo”.

Porque Fluir Wing Tjun Kung Fu?

Fluir: passar, escorrer, deslizar, escoar, transcorrer. Estado de 'movimento natural' das coisas - (flexões: líquido; leve; suave).

A partir de uma coerência, de uma significância para se chegar ao fundamento de se criar uma associação ou escola, foi que batizei o grupo de estudantes/praticantes que instruía de Fluir Wing Tjun Kung Fu, criando assim a associação e sua sigla (AFWK). A maioria dos ‘irmãos/estudantes’ permanece em atividade. Nisso, somos mais que uma reunião de pessoas afinadas com os estudos, somos uma ‘família Kung Fu’.

Fluir é nosso caminho. Voltar-se à natureza, naturalizar as ações, os movimentos, a relação com o outro e com a vida.

Currículo / Programa AFWK:

Nisso, organizei nosso próprio currículo e/ou programa, baseado em nossa realidade, e coerente com ela, conforme nossa necessidade local e dentro dos limites do ‘meu’ conhecimento (como professor ou sifu), integrando os conhecimentos práticos e filosóficos/conceituais já citados acima.

Não somos filiados a um único mestre e sua linhagem ou escola, não porque não queremos ou não achamos isso importante, mas porque a realidade e necessidade nos fez existir enquanto associação ou escola, independente de seguir uma única linhagem. Este fator nos trouxe algo positivo, que é a oportunidade de estudar mais de uma linhagem e/ou escola (dentro dos meus e nossos limites, é claro), tendo certa ‘abertura’ para desenvolver, além de certa independência, estudos e pesquisas em outras linhagens e artes relacionadas ao WT. Isso, de certo modo, me fez organizar (não inventar) o próprio currículo e/ou programa, a partir da minha realidade e nossa necessidade, enquanto grupo ou escola, de se estudar/praticar. Portanto, não criei nada, apenas faço uso, como quase todas as escolas fazem, cada qual ao seu modo e conforme sua necessidade. E eis que, mais que uma intenção ou pretenção, somos ‘estudantes’. Mais que um professor, sou um estudante que não visualiza um fim, mas sempre o caminho (leia-se conceito no taoismo).

Nisso, estamos caminhando, fluindo...

Herman Silvani (professor da AFWK – Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu)




sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Linhagem no Kung Fu: uma problemática

O que é uma linhagem em Kung Fu?

Linhagem: série de gerações; linha de parentesco; genealogia, estirpe (Dicionário Online).

Eis o significado formal de linhagem. Por si só, seu significado comprova sua importância. Mas isso não exclui uma problematização quanto ‘o modo com que se constituem, se tratam e se utilizam determinadas linhagens no Kung Fu’ a partir de seus sifu’s (mestres ou professores) e suas ‘escolas’.

Uma linhagem é constituída de heranças entre gerações, onde um patriarca ou uma matriarca, ou seja, os entes mais velhos, são supostamente mais conhecedores dos conteúdos ou conhecimentos acumulados de seus ancestrais. Então, uma linhagem está diretamente ligada a ancestralidade, neste caso, a partir de um ‘sobrenome’ que, em tese, deve trazer em si certos conhecimentos. Conhecimentos estes que constituem ou compõem aquilo que chamamos de linhagem. Em suma, uma linhagem é como uma tradição, que traz em si tradições, conhecimentos, conteúdos e saberes desenvolvidos ao longo do tempo, acumulados, cultivados e repassados de geração para geração, a modo de manter vivos certos saberes (tanto práticos quanto teóricos) e certas práticas.

Saberes e/ou conhecimentos quando passados de uma geração para outra, inevitavelmente se transformam (pois o tempo e influências externas agem sob estes saberes), geralmente em detalhes e quase nunca radicalmente, mas se transformam, e isso é fato inegável. Portanto, dada esta transformação, dá para se dizer que não existe uma ‘pureza’ nestes conhecimentos ou saberes. Quando não destoa muito do ‘conhecimento original’ (questão mais de essência do que de técnica – eis a questão!), podemos dizer que continua sendo uma linhagem, a mesma linhagem, isso se o receptor, aluno, irmão ou discípulo, for reconhecido e ‘autorizado’ pelo mestre (que também fora autorizado outrora por seu antigo mestre, patriarca ou matriarca) em se tornar também um discípulo, ou seja, futuro mantenedor e transmissor do conhecimento de tal linhagem. Nisso, temos aqui certa hierarquia e ‘controle’ (além de organização) na continuidade deste ‘processo’ que é o de manutenção destes saberes ou conhecimentos.

Linhagem como controle do conhecimento

Pois bem, neste primeiro momento, conceituei, discuti e/ou teorizei sobre o significado de linhagem no Kung Fu, a partir de seu uso mais comum pelo menos, já apontando a problemática. Agora vou tratar de problematizar o assunto, a partir de dado contexto.

Certo da importância da existência das linhagens (o que é evidente e foi abordado brevemente no título anterior), como estudante/praticante e professor de Kung Fu (Wing Tjun), Chi Kung e Tai Chi Chuan (estudante/praticante), tive cá minhas experiências com diferentes sifu’s (professores e/ou mestres) de diferentes sistemas ou estilos e escolas de Kung Fu (além do Chi Kung e do Taiji). Nisso, pude experimentar e perceber as diferenças nos modos de se conceber e praticar esta(s) arte(s). Dedico-me, já faz alguns anos, além de praticar, a pesquisar sobre as linhagens, sistemas e/ou escolas de Kung Fu que me cativam e me dizem respeito. Neste caminho, a problemática que envolve as ‘linhagens’ (um território perigoso, porém, inevitável) me veio à mente. Ao tempo em que as linhagens, quase que naturalmente, servem para manter ou cultivar certos conhecimentos, elas também podem ser formas de controle e poder. Quando um mestre se diz representante deste ou daquele estilo, sistema e/ou escola de Kung Fu, detentor do conhecimento ancestral, único responsável por sua transmissão ‘original’, de certa forma ele está impondo uma autoridade sobre os demais. Se houver bom senso, honestidade e realismo nesta fala, aí tudo bem. O problema é quanto isso se torna ‘estacionamento’, comodidade, ideologia. Ou seja, quanto é usado para a manutenção, não do conhecimento, mas da autoridade, hierarquia e/ou em casos extremos, do autoritarismo sob o conhecimento e sob o outro.

Algo difícil de ser dito, mas necessário: grande parte das escolas que se dizem da ‘linhagem’ Ip Man, do sistema Wing Chun de Kung Fu, por exemplo, não o são. Isso é muito usado como discurso ou marketing – contanto que o GM Ip Man é o mais popular (ou popularizado?) mestre do ‘estilo’. Eu, por exemplo, tive contato e estudei com professores provindos da ‘linhagem Ip Man’, própriamente dito do sifu Wong Shun Leung, mas não diretamente com ele, mas com alguém que aprendeu com alguém que aprendeu com o mestre em questão. E a questão é: isso significa que meu professor era da linhagem Ip Man? Ou da linhagem Wong Shun Leung? Por isso, nunca ousei dizer que tenho uma linhagem em específico no Wing Chun - quem dirá que represento a ‘família’. Tento ser sincero ao máximo com a realidade, com a história, com o conhecimento e com meus irmãos e alunos de arte.

Acontece que, muitos mestres ou professores, muitas escolas, utilizam-se da linhagem para controlar o sistema, assim como, controlar seus estudantes/alunos, e assim, controlar o próprio conhecimento, como detentores exclusivos deste saber (o que, geralmente, não é verdade). Daí surgem as disputas e conflitos entre escolas que reivindicam a mesma maestria e linhagem. Daí também é que muito do conhecimento pode se empedrar, congelar ou estacionar, onde a linhagem acaba sendo usada como fator ideológico ou político de controle e manutenção, não só do conhecimento, mas do ‘produto’, ou seja, da ‘marca’ que se torna a linhagem, limitanto e empobrecendo assim a própria arte e o próprio conhecimento.

Linhagem como manutenção de poder

Se, como problematizado no título anterior, a linhagem é usada como controle, ela resulta também em manutenção de poder, onde o suposto discípulo e agora mestre-patriarca da linhagem, detém o poder sobre o conhecimento e consequentemente sobre seus alunos. Assim ele pode manter sua escola economicamente viável (nada contra, mas não é só isso o que deve estar em questão) sob a sombra da linhagem ou do discurso que, em muitos casos, ela se reduz. Aí temos um problema. A linhagem em questão acaba sendo mais figurativa, simbólica e/ou representativa do que real. Ou seja, o conhecimento que ela traz em si se aplica como inquestionável, imutável, inabalável, até que algo ou alguém prove contrário. Neste caso, a linhagem é tomada por um conservadorismo que a mantém viva, mas sobre a égide do autoritarismo e do discurso, mais do que da necessidade e realidade que deveria a justificar e fundamentar. Portanto, não é só porque uma escola, associação ou professor tem linhagem que é bom. Isso, geralmente, é discurso ideológico ou senso comum. Assim como dizer que, por não ter linhagem (em específico) é ruim, sendo que, as coisas não se realizam plenamente pelos discursos alinhados com uma suposta verdade absoluta, mas sim pela realidade prática. Nisso, ter ou não ter linhagem, é uma questão de necessidade (ou pelo menos, deveria ser) e não por uma mera manutenção de poder (negócio) e status.

Com isso, de modo algum estou negando a importância e papel das linhagens. Volto a dizer, estou apenas problematizando uma questão quase ‘intocável’ nos assuntos ditos marciais. Desconfio sempre de quem extremisa a questão a ponto de dizer que ‘se não tem linhagem não é bom ou é picaretagem’, assim como quem diz que ‘linhagem não passa de tradição’. Ambos os casos são equivocados e encontram-se nos extremos de seus discursos ou crenças  ideológicas. Existe escola com uma linhagem específica, assim como, escola com mais de uma linhagem, onde o mestre representa mais de uma família (ou linhagem), e também escola sem linhagem alguma, onde se estuda a partir de variadas experiências, mas não se representam especificamente ou oficielmente elas. Nem numa, nem outra é melhor ou pior, isso é relativo e depende mais da prática no real do que daquilo que se acha, acredita ou diz. Quem comanda no final é a necessidade e sinceridade com o que se sabe, conhece e pratica. O mais é política (no sentido de tomar partido: defesa e ataque com determinismo e simplismo, prática muito comum, infelizmente, no meio dito marcial).

Enfim. Tendo linhagem ou não, o Kung Fu existe e é justamente rico por sua diversidade e nas suas variadas possibilidades, sendo mais que uma luta, um esporte, uma prática física, uma linhagem. Kung Fu em uma concepção mais ampla é um caminho de vida e não um lugar.

Herman Silvani (estudante/praticante, sifu/professor de Wing Tjun Kung Fu e Chi Kung na AFWK, filosofia, sociologia, história e linguagem - e estudante/praticante de Tai Chi Chuan Pai Lin)



quarta-feira, 17 de maio de 2017

Arte interna não é misticismo, é trabalho com energia...

Durante debates sobre as chamadas 'artes internas', entre várias opiniões (sejam rasas ou mais profundas), vejo uma confusão quando se fala em estilos, conhecimentos, conceitos. Alguns discursos que pretendem ser racionais e sérios acabam sendo 'superficiais', quando não, denotam 'ignorância' sobre o assunto tratado. Outros, em tom de ironia misturam as coisas e acabam sendo tão medíocres ou mesquinhos quanto os que arriscam-se no improvável caminho da 'verdade' única e absoluta. Nisso, prevalece um 'achismo' e a falta de discernimento, o que gera grandes distorções do assunto, conteúdo e/ou conhecimento.
Quando o assunto é 'artes internas', 'energia Chi' e relacionados, a presunção, ignorância e 'ceticismo burro' aparecem reducionistas como 'porradas em supostas lutas', e há então aí uma confusão.
Chi Kung, Tai Chi Chuan, entre outras linhas das artes chinesas não são invencionices nem tampouco misticismo. Mas, muitos confundem as coisas e tecem comentários 'tentando' fazer parecer que sabem e que estas artes são procedem. Meia dúzia de vídeos e discursos não dão, e nunca darão conta do que realmente existe dentro das 'artes internas'. Se não tiver o contato, o acesso, se não estudar, praticar, não tiver boa orientação, nunca se saberá o que é, como é, pois é uma questão de 'experiência', 'sensibilidade', 'estudo, muito estudo ou prática', e 'percepção', não de crença, mágica ou showzinho, como muitos fazem por aí.
Sob tudo, é fundamental a 'incorporação', um conceito pouco levantado nas discussões mundo afora, Brasil adentro. Enfim. Falar depreciadamente do que se desconhece ou não se sabe é, além de falta de bom senso, ignorância ou estupidez. Se não conseguir, não acessar, não adianta, não vai saber, compreender, ter o conhecimento e a habilidade.
Por isso, não confundam as coisas. 'Artes internas' não são 'misticas', são conhecimentos, habilidades, físicas (leia-se física material e física quântica), uma relação entre 'mente, corpo e energia', um equilíbrio entre estes elementos. Sem isso, não há 'arte interna', não há conhecimento no assunto, um assunto que não se explica simplesmente em palavras escritas ou ditas.
* na foto, Grande Mestre Liu Pai Lin, fundador do 'estilo' de Tai Chi Chuan Pai Lin (o qual tenho a honra em estudar/praticar)

quinta-feira, 11 de maio de 2017

A suposta decadência do Kung Fu e a confusão em torno do Tai Chi Chuan e do Chi Kung

Algumas antigas discusões entre praticantes, entusiastas, professores ou mestres de Kung Fu, de tempo em tempo reaparecem e sempre geram polêmica e controvérsias. A partir de alguns vídeos publicados na internet (em que um, algumas semanas atrás, ficou muito ‘famoso’), onde supostos ‘mestres’ e/ou praticantes de Kung Fu, Taiji e/ou Chi Kung ‘apanham’ de lutadores de outros ‘estilos’ ditos ‘marciais’, fazem que muitos entusiastas tirem conclusões, muitas vezes, precipitadas e equivocadas. E estes sempre voltam com o discurso de ‘decadência’ das ‘artes marciais’ chinesas. O fato é que não há uma ‘decadência’, mas há uma distorção, uma confusão de concepções, conceitos, contextos referentes ao tema e as artes provenientes da China já citadas. Alguns, para uma pretensa e sugerida ‘saída’ desta ‘situação’, então falam em ‘modernização’ destes estilos.

Em primeiro lugar, o vídeo (ou os vídeos) em questão não tem nada a ver com 'decadência do Kung Fu', nem com uma pretensa tal 'modernização' dos estilos, ou algo que valha.  Isso é um discurso panfletário (ideológico). No caso do ‘famoso’ vídeo onde o suposto mestre de Tai Chi Chuan apanha do suposto lutador de MMA, a princípio, é um contexto de estereótipo, não de realidade. Pra começo de conversa, Taiji não é luta, pois vai muito além disso. O vídeo é uma 'disputa', um jogo que já se contradiz em se tratando de Taiji. Só mais um (entre tantos) desses feitos para detratar o Taiji ou o Kung Fu. Eu diria que achar que isso resume o todo, que prova alguma coisa, é no mínimo ingenuidade ou falta de conhecimento sobre o Taiji e o próprio Kung Fu.

A confusão é tão grande que, primeiro, os objetivos entre ‘luta’ e Taiji não são os mesmos. Lutar esportivamente é uma coisa. Defesa pessoal é outra. Briga é outra. Praticar para ter fluência na vida é outra. Uma, não necessariamente exclui a outra, como uma não necessariamente complementa a outra. O Taiji e o Chi Kung melhoram significativamente o Kung Fu. Quem pratica/estuda sabe bem disso. Os vídeos em questão não apontam a realidade do Taiji ou do Kung Fu como um todo. Denotam sim um 'estereótipo'. É mais um destes vídeos feitos para deturbar e distorcer fatos Ingenuidade é achar que as artes chinesas estão em decadência por causa de vídeos como este(s). Compreendam, de estilo para estilo, o enfoque é outro. Também existem praticantes e praticantes, onde, geralmente, quem está mais afinado, preparado, no caso de um combate, ganha. Na vida, no cotidiano, o mesmo. Mas são ‘preparações’ e contextos diferentes.

Certamente, como estudante e professor de Wing Tjun, Taiji e Chi Kung, se eu entrar num 'jogo' (luta), ringue, tatame, ou o que for com um 'lutador' (atleta competidor), dentro daquele contexto, posso perder a luta. Pode até ser com um aluno meu. 'Mas como, perder, se é seu aluno?' Sim, porque não? Não sei 'lutar/competir esportivamente'. E isso nem me interessa. Mas, dentro de 'outra realidade', de outro contexto (rua, Mo Gua, etc.), a história é outra. Eis o discernimento que se deve ter para compreender, e aí, então, poder ter coerência no que se fala ou promove. Caso contrário acontece o que está acontecendo com alguns praticantes. Deixam-se enganar por estereótipos.

Se Kung Fu não é luta (leia-se que a 'luta' do Kung Fu leva outro nome - ou nomes, sendo Kung Fu algo mais amplo, complexo), imagina o Taiji! Daqui um pouco vão dizer e querer 'provar' a 'ineficiência' do Chi Kung como 'luta', com um vídeo desses de um 'mestre' desses. Dizer que isso é Taiji, como dizer que Kung Fu é 'luta' (simplesmente), é reduzi-los. A velha discussão de sempre. As várias concepções existentes é que são diferentes. Algumas mais ingênuas, outras ideológicas, e nestes casos, ambas sem a devida profundidade. Tratar o Taiji como uma 'luta' é falta de conhecimento ou compreensão do mesmo. Ambos, Kung Fu, Taiji e Chi Kung podem ser usados (e servem) em 'lutas', tanto esportivas quanto na 'luta cotidiana' (se é que me entendem), inclusive, na 'auto-defesa'. Quando se aplica bem o 'estilo' ou o que for, já não importa muito nominá-lo, o que importa é a habilidade em fazê-lo.

Discernir as coisas, os estilos, motivos, onde são praticados (contextos e situações) faz toda a diferença nesta discussão toda. No caso, como já dito antes, sou professor de Kung Fu (Wing Tjun), também oriento Chi Kung e pratico Taiji. Se eu topar sair no soco com um cara desses (lutador), é muito provável que leve a pior (principalmente dentro do 'jogo', ringue, tatame, octágono). Mas isso também não é uma certeza. As coisas não são pré-determinadas dessa maneira. Mas, como não estou aí pra isso, não estudo/pratico, nem leciono e ensino pra isso, digo que são outras as 'estratégias', outros 'princípios', outra realidade. Por não ser atleta, não ter a força ou o condicionamento físico, e nem utilizar as mesmas estratégias de um, devo usar as 'armas' que possuo, que sei, conheço, pratico, tenho domínio e/ou habilidade. E elas são bem mais, digamos, 'pontuais'. Ou seja, sem todo este 'desgaste' (físico e emocional/psicológico). 'Sem luta', sem disputa, sem submissão. Na dita 'defesa pessoal', o olhar, percepção e habilidade (sensibilidade), contam mais do que o uso da força. Nisso, defendo a tese, ideia ou conceito de 'não-luta'. E isso muda tudo. Quem sabe deste conceito, copreende bem do que estou falando.

Um vídeo como este e tantos outros, só provam uma coisa, a confusão dos entusiastas e limitação de certos 'mestres', não dos estilos, não limitação apenas técnica, mas de atuação como um todo. Bons mestres ou professores ou praticantes não caem nestas 'ladainhas'. Se caem é, justamente porque não estão 'prontos' para aquilo que dizem fazer parte, ser ou praticar. Simples, Kung Fu ou Taiji não se resumem em luta. Aliás, grandes mestres e praticantes não lutam. Mas muitos, quando precisaram do Kung Fu ou Tai Chi ou Chi Kung na vida prática, cotidiana, real, souberam usar e ele(s) funcionaram, independente da 'luta', 'esporte' ou o que for. Ou seja, ampliar o conceito, a concepção, a arte, e não reduzi-los. Eis a questão! Estes vídeos não representam a realidade além da intensão dos mesmos. Na hora do 'vamos ver' não é o 'estilo' que define a situação, mas sim a habilidade ou desenvolvimento do praticante. Aí é uma soma de coisas, de conhecimentos e habilidades, sendo que cada situação é uma situação.

Até hoje só quebrei um dedo treinando, além de algumas lesões leves e medianas. Lutei e briguei pouquíssimas vezes quando adolescente. E sempre me dei bem nelas. Aprendi que a diversidade, os conflitos ou trâmites da vida são mais perigosos do que a 'luta'. E nisso, 'meu Kung Fu' (como gosto de dizer), até então me foi muito significativo. Enquanto lutar é sair no soco, chute, só que com técnica, ou seja, um 'jogo' onde o mais preparado fisicamente e tecnicamente, geralmente sai ganhando. O que não garante o mesmo sucesso em outras situações da vida, onde muitos destes 'vitoriosos' se dão mal. Por isso, dizer que as 'inúmeras técnicas' das artes chinesas são 'inúteis' numa luta, é falta de conhecimento. Na verdade, as vejo no âmago das lutas. As lutas, neste sentido, são uma sínteses do que o Kung Fu e Taiji podem propiciar. Ou seja, alguns aspectos do Kung Fu, Taiji e Chi Kung estão nas lutas de uma forma geral. Estas artes são 'essência', não 'resultado'. Assim como ‘técnica é instrumento, não essência’. 

Pior de tudo é ver praticantes e/ou professores de Kung Fu reproduzindo este discurso, está ladainha (leia-se vídeo) como se fosse 'verdade absoluta'. Isso demonstra o nível de alguns ‘estudantes’ (praticantes) e o que precisa melhorar, sob tudo nas suas ‘óticas’. Em suma, não são os estilos que precisam ‘melhorar’, mas a cabeça e conhecimento de alguns praticantes e professores. Depois falamos em técnica, luta, defesa-pessoal, etc...


  • A matéria da ‘empresa de comunicação esportiva’ (é óbvio que vai distorcer e trabalhar com o ‘não-conhecimento’ do grande público, como é comum no ‘espetáculo midiático’ – leia-se ‘Indústria Cultural’ em Escola de Frankfurt e ‘Sociedade do Espetáculo’ de Debord) denota sua superficialidade ao noticiar  o fato:

  • Tai Chi Chuan / Kung Fu, para além do ‘espetáculo-midiático’ e dos reducionismos: