quarta-feira, 17 de maio de 2017

Arte interna não é misticismo, é trabalho com energia...

Durante debates sobre as chamadas 'artes internas', entre várias opiniões (sejam rasas ou mais profundas), vejo uma confusão quando se fala em estilos, conhecimentos, conceitos. Alguns discursos que pretendem ser racionais e sérios acabam sendo 'superficiais', quando não, denotam 'ignorância' sobre o assunto tratado. Outros, em tom de ironia misturam as coisas e acabam sendo tão medíocres ou mesquinhos quanto os que arriscam-se no improvável caminho da 'verdade' única e absoluta. Nisso, prevalece um 'achismo' e a falta de discernimento, o que gera grandes distorções do assunto, conteúdo e/ou conhecimento.
Quando o assunto é 'artes internas', 'energia Chi' e relacionados, a presunção, ignorância e 'ceticismo burro' aparecem reducionistas como 'porradas em supostas lutas', e há então aí uma confusão.
Chi Kung, Tai Chi Chuan, entre outras linhas das artes chinesas não são invencionices nem tampouco misticismo. Mas, muitos confundem as coisas e tecem comentários 'tentando' fazer parecer que sabem e que estas artes são procedem. Meia dúzia de vídeos e discursos não dão, e nunca darão conta do que realmente existe dentro das 'artes internas'. Se não tiver o contato, o acesso, se não estudar, praticar, não tiver boa orientação, nunca se saberá o que é, como é, pois é uma questão de 'experiência', 'sensibilidade', 'estudo, muito estudo ou prática', e 'percepção', não de crença, mágica ou showzinho, como muitos fazem por aí.
Sob tudo, é fundamental a 'incorporação', um conceito pouco levantado nas discussões mundo afora, Brasil adentro. Enfim. Falar depreciadamente do que se desconhece ou não se sabe é, além de falta de bom senso, ignorância ou estupidez. Se não conseguir, não acessar, não adianta, não vai saber, compreender, ter o conhecimento e a habilidade.
Por isso, não confundam as coisas. 'Artes internas' não são 'misticas', são conhecimentos, habilidades, físicas (leia-se física material e física quântica), uma relação entre 'mente, corpo e energia', um equilíbrio entre estes elementos. Sem isso, não há 'arte interna', não há conhecimento no assunto, um assunto que não se explica simplesmente em palavras escritas ou ditas.
* na foto, Grande Mestre Liu Pai Lin, fundador do 'estilo' de Tai Chi Chuan Pai Lin (o qual tenho a honra em estudar/praticar)

quinta-feira, 11 de maio de 2017

A suposta decadência do Kung Fu e a confusão em torno do Tai Chi Chuan e do Chi Kung

Algumas antigas discusões entre praticantes, entusiastas, professores ou mestres de Kung Fu, de tempo em tempo reaparecem e sempre geram polêmica e controvérsias. A partir de alguns vídeos publicados na internet (em que um, algumas semanas atrás, ficou muito ‘famoso’), onde supostos ‘mestres’ e/ou praticantes de Kung Fu, Taiji e/ou Chi Kung ‘apanham’ de lutadores de outros ‘estilos’ ditos ‘marciais’, fazem que muitos entusiastas tirem conclusões, muitas vezes, precipitadas e equivocadas. E estes sempre voltam com o discurso de ‘decadência’ das ‘artes marciais’ chinesas. O fato é que não há uma ‘decadência’, mas há uma distorção, uma confusão de concepções, conceitos, contextos referentes ao tema e as artes provenientes da China já citadas. Alguns, para uma pretensa e sugerida ‘saída’ desta ‘situação’, então falam em ‘modernização’ destes estilos.

Em primeiro lugar, o vídeo (ou os vídeos) em questão não tem nada a ver com 'decadência do Kung Fu', nem com uma pretensa tal 'modernização' dos estilos, ou algo que valha.  Isso é um discurso panfletário (ideológico). No caso do ‘famoso’ vídeo onde o suposto mestre de Tai Chi Chuan apanha do suposto lutador de MMA, a princípio, é um contexto de estereótipo, não de realidade. Pra começo de conversa, Taiji não é luta, pois vai muito além disso. O vídeo é uma 'disputa', um jogo que já se contradiz em se tratando de Taiji. Só mais um (entre tantos) desses feitos para detratar o Taiji ou o Kung Fu. Eu diria que achar que isso resume o todo, que prova alguma coisa, é no mínimo ingenuidade ou falta de conhecimento sobre o Taiji e o próprio Kung Fu.

A confusão é tão grande que, primeiro, os objetivos entre ‘luta’ e Taiji não são os mesmos. Lutar esportivamente é uma coisa. Defesa pessoal é outra. Briga é outra. Praticar para ter fluência na vida é outra. Uma, não necessariamente exclui a outra, como uma não necessariamente complementa a outra. O Taiji e o Chi Kung melhoram significativamente o Kung Fu. Quem pratica/estuda sabe bem disso. Os vídeos em questão não apontam a realidade do Taiji ou do Kung Fu como um todo. Denotam sim um 'estereótipo'. É mais um destes vídeos feitos para deturbar e distorcer fatos Ingenuidade é achar que as artes chinesas estão em decadência por causa de vídeos como este(s). Compreendam, de estilo para estilo, o enfoque é outro. Também existem praticantes e praticantes, onde, geralmente, quem está mais afinado, preparado, no caso de um combate, ganha. Na vida, no cotidiano, o mesmo. Mas são ‘preparações’ e contextos diferentes.

Certamente, como estudante e professor de Wing Tjun, Taiji e Chi Kung, se eu entrar num 'jogo' (luta), ringue, tatame, ou o que for com um 'lutador' (atleta competidor), dentro daquele contexto, posso perder a luta. Pode até ser com um aluno meu. 'Mas como, perder, se é seu aluno?' Sim, porque não? Não sei 'lutar/competir esportivamente'. E isso nem me interessa. Mas, dentro de 'outra realidade', de outro contexto (rua, Mo Gua, etc.), a história é outra. Eis o discernimento que se deve ter para compreender, e aí, então, poder ter coerência no que se fala ou promove. Caso contrário acontece o que está acontecendo com alguns praticantes. Deixam-se enganar por estereótipos.

Se Kung Fu não é luta (leia-se que a 'luta' do Kung Fu leva outro nome - ou nomes, sendo Kung Fu algo mais amplo, complexo), imagina o Taiji! Daqui um pouco vão dizer e querer 'provar' a 'ineficiência' do Chi Kung como 'luta', com um vídeo desses de um 'mestre' desses. Dizer que isso é Taiji, como dizer que Kung Fu é 'luta' (simplesmente), é reduzi-los. A velha discussão de sempre. As várias concepções existentes é que são diferentes. Algumas mais ingênuas, outras ideológicas, e nestes casos, ambas sem a devida profundidade. Tratar o Taiji como uma 'luta' é falta de conhecimento ou compreensão do mesmo. Ambos, Kung Fu, Taiji e Chi Kung podem ser usados (e servem) em 'lutas', tanto esportivas quanto na 'luta cotidiana' (se é que me entendem), inclusive, na 'auto-defesa'. Quando se aplica bem o 'estilo' ou o que for, já não importa muito nominá-lo, o que importa é a habilidade em fazê-lo.

Discernir as coisas, os estilos, motivos, onde são praticados (contextos e situações) faz toda a diferença nesta discussão toda. No caso, como já dito antes, sou professor de Kung Fu (Wing Tjun), também oriento Chi Kung e pratico Taiji. Se eu topar sair no soco com um cara desses (lutador), é muito provável que leve a pior (principalmente dentro do 'jogo', ringue, tatame, octágono). Mas isso também não é uma certeza. As coisas não são pré-determinadas dessa maneira. Mas, como não estou aí pra isso, não estudo/pratico, nem leciono e ensino pra isso, digo que são outras as 'estratégias', outros 'princípios', outra realidade. Por não ser atleta, não ter a força ou o condicionamento físico, e nem utilizar as mesmas estratégias de um, devo usar as 'armas' que possuo, que sei, conheço, pratico, tenho domínio e/ou habilidade. E elas são bem mais, digamos, 'pontuais'. Ou seja, sem todo este 'desgaste' (físico e emocional/psicológico). 'Sem luta', sem disputa, sem submissão. Na dita 'defesa pessoal', o olhar, percepção e habilidade (sensibilidade), contam mais do que o uso da força. Nisso, defendo a tese, ideia ou conceito de 'não-luta'. E isso muda tudo. Quem sabe deste conceito, copreende bem do que estou falando.

Um vídeo como este e tantos outros, só provam uma coisa, a confusão dos entusiastas e limitação de certos 'mestres', não dos estilos, não limitação apenas técnica, mas de atuação como um todo. Bons mestres ou professores ou praticantes não caem nestas 'ladainhas'. Se caem é, justamente porque não estão 'prontos' para aquilo que dizem fazer parte, ser ou praticar. Simples, Kung Fu ou Taiji não se resumem em luta. Aliás, grandes mestres e praticantes não lutam. Mas muitos, quando precisaram do Kung Fu ou Tai Chi ou Chi Kung na vida prática, cotidiana, real, souberam usar e ele(s) funcionaram, independente da 'luta', 'esporte' ou o que for. Ou seja, ampliar o conceito, a concepção, a arte, e não reduzi-los. Eis a questão! Estes vídeos não representam a realidade além da intensão dos mesmos. Na hora do 'vamos ver' não é o 'estilo' que define a situação, mas sim a habilidade ou desenvolvimento do praticante. Aí é uma soma de coisas, de conhecimentos e habilidades, sendo que cada situação é uma situação.

Até hoje só quebrei um dedo treinando, além de algumas lesões leves e medianas. Lutei e briguei pouquíssimas vezes quando adolescente. E sempre me dei bem nelas. Aprendi que a diversidade, os conflitos ou trâmites da vida são mais perigosos do que a 'luta'. E nisso, 'meu Kung Fu' (como gosto de dizer), até então me foi muito significativo. Enquanto lutar é sair no soco, chute, só que com técnica, ou seja, um 'jogo' onde o mais preparado fisicamente e tecnicamente, geralmente sai ganhando. O que não garante o mesmo sucesso em outras situações da vida, onde muitos destes 'vitoriosos' se dão mal. Por isso, dizer que as 'inúmeras técnicas' das artes chinesas são 'inúteis' numa luta, é falta de conhecimento. Na verdade, as vejo no âmago das lutas. As lutas, neste sentido, são uma sínteses do que o Kung Fu e Taiji podem propiciar. Ou seja, alguns aspectos do Kung Fu, Taiji e Chi Kung estão nas lutas de uma forma geral. Estas artes são 'essência', não 'resultado'. Assim como ‘técnica é instrumento, não essência’. 

Pior de tudo é ver praticantes e/ou professores de Kung Fu reproduzindo este discurso, está ladainha (leia-se vídeo) como se fosse 'verdade absoluta'. Isso demonstra o nível de alguns ‘estudantes’ (praticantes) e o que precisa melhorar, sob tudo nas suas ‘óticas’. Em suma, não são os estilos que precisam ‘melhorar’, mas a cabeça e conhecimento de alguns praticantes e professores. Depois falamos em técnica, luta, defesa-pessoal, etc...


  • A matéria da ‘empresa de comunicação esportiva’ (é óbvio que vai distorcer e trabalhar com o ‘não-conhecimento’ do grande público, como é comum no ‘espetáculo midiático’ – leia-se ‘Indústria Cultural’ em Escola de Frankfurt e ‘Sociedade do Espetáculo’ de Debord) denota sua superficialidade ao noticiar  o fato:

  • Tai Chi Chuan / Kung Fu, para além do ‘espetáculo-midiático’ e dos reducionismos: