sexta-feira, 4 de março de 2016

Incorporar o Kung Fu

Minha paixão pelo Kung Fu vem desde muito cedo, quando ainda era pré-adolescente, em meados dos anos 90. Vendo filmes do Bruce Lee, busquei aprender esta arte com um professor que morava no mesmo bairro que eu. Durante alguns anos fui praticante e entusiasta de arte marcial, até me envolver mais com a música e as artes em geral. Acabei ficando mais de 15 anos sem praticar oficialmente em uma escola, porém, nunca parei com meus estudos pessoais, alguns contatos e práticas, principalmente com aquilo que chamam de ‘arte interna’. Neste tempo, antes de retomar os estudos/treinos numa academia, algo de Chi Kung e Taiji, assim como movimentos (das formas) do Kung Fu (Garça Branca, Serpente e Wing Chun), sempre estiveram presentes na minha vida. Até que, enfim, retomei a prática efetiva com um grupo, e hoje, além de estudante/praticante, também sou professor/instrutor da AFWK (Associação Fluir Wing Tjun Kung Fu). Estudo e pratico quase que diariamente, e como também sou da área da filosofia, levo muito em consideração o pensamento oriental nestes estudos. Nisso, sempre enfatizo aos meus irmãos/ãs Kung Fu e/ou alunos/as, que ‘não basta só treinar (fisicamente falando), é preciso incorporar o Kung Fu’, seu ‘espírito’. Quando falo em espírito aqui, não estou me referindo à questão religiosa, ou me remetendo ao além-divino, mas sim a incorporação do Kung Fu como uma ‘personalidade’ mental e física a ser adquirida, um ‘modo de ser e atuar’ na vida. Ou seja, ‘espírito enquanto integração com o meio’, enquanto criação de um ambiente propício ao ‘ser Kung Fu’, externa e, principalmente, internamente. Sabem quando popularmente se fala ‘o espírito do lugar’, ou ‘aqui tem um bom espírito’, ou ainda, ‘esta pessoa é espirituosa’? É isso! É neste sentido que ‘o Kung Fu precisa, fundamentalmente, ser incorporado’. Caso contrário, teremos mais um nome, um título ou uma palavra, do que uma condição, o que, diga-se de passagem, acontece ou existe muito neste meio e por aí. E para que esta ‘incorporação’ seja possível, é preciso, além de treinar (fisicamente e tecnicamente falando), absorver o ‘espírito do Kung Fu’ no seu próprio corpo, e mais que isso, na sua própria mente e sensibilidade. Assim desenvolvemos uma ‘espiritualidade’ Kung Fu, em que a palavra, o termo, passa a ter um significado mais profundo, pois, já não falamos mais da boca para fora ou apenas mantendo o discurso e a aparência, mas sim ‘vivemos o Kung Fu’ efetivamente e talvez, integralmente, o que não é algo fácil, porém, podemos sim ter certa ‘parcialidade’ que, mesmo não estando completamente mergulhado nisso, no seu todo, assim mesmo podemos integrar esta incorporação ou composição, como músicos de uma orquestra, onde, mesmo numa sinfonia que é feita de partes, o que mais importa é a música, a arte, e onde o corpo, a mente ou nossa consciência, e a energia vital que nos sustenta e nos move, possam estar equilibrados existencialmente e intelectualmente. Para isso basta certa ‘disposição’ e/ou ‘entrega’ daquele que se permite estudar/praticar para além do quesito físico-externo ou técnico. Contudo, isso vai refletir no que o taoismo e também o budismo (enquanto filosofias e não religiões) chamam de ‘o caminho do meio’. Ou seja, ‘nem muito, nem pouco, mas o suficiente’. Eis o caminho! Eis o que o Kung Fu, já incorporado, nos pode trazer de mais profundo: o ‘equilíbrio’ de ser-estar. Ou seja, de viver sendo Kung Fu, para além das aparentes razões e vaidades que, muitas vezes, infestam este ‘mundo’ dito marcial.