Volta e meia alguém me faz esta pergunta. Existem
professores, praticantes ou entusiastas de ‘artes marciais’ que dizem que as
formas são simplesmente coreografias, e que por isso nas suas academias ou
escolas não as praticam ou treinam. Afirmar isso é não compreender ou nunca ter
chegado ao ‘espírito ou essência da prática’ como algo mais profundo do que a luta
(que é apenas ‘um aspecto’ do todo que é o Kung Fu). Não vou falar de outros
estilos aqui, me manterei falando do sistema Wing Tjun (Wing e Weng Chun), onde
as formas são muito mais do que meras coreografias ou performances, acreditando
que em muitos estilos e escolas também.
Dentro das formas estão guardados alguns ‘segredos’ do
sistema. Nisso, elas servem (além de treino para refinar o praticante), para
guardar o estilo ou o que caracteriza o sistema, ou seja, as posturas,
movimentos, técnicas e conceitos que, integrados, constituem o ‘todo’, no caso:
o próprio sistema. No WT não há movimento ou postura aleatórios ou alheios, sem
uma utilização, tudo é fundamentado a partir dos conceitos que vão refletir no
movimento, na técnica, na ação ou aplicação, ou seja, na forma em si. E isso
envolve desde aterramento/enraizamento, equilíbrio, flexibilidade, alongamento,
concentração e fluxo de energia, trabalho de tendões, articulações, até
respiração (entre outros ‘detalhes’) – inclusive, as formas de caráter mais ‘interno’
são como Chi Kung’s (cultivo de energia), além do seu fator ‘externo’. As seções
(trechos) das formas no WT são postas ou praticadas e aplicadas em sequência,
porém, também são fragmentadas e utilizadas individualmente conforme a
necessidade do momento, o que confere uma grande dinâmica e variação na
movimentação e aplicação do sistema.
Formas são ‘representações simbólicas reais do real’. Ou
seja, ao mesmo tempo são movimentações simbólicas e treino para aplicações
reais. Sem as formas não há o sistema Wing Tjun, é nelas que ele existe como
tal, em que possui sua identidade. E diferente do que alguns pensam, as formas
não são prisões ou limitadoras, muito pelo contrário, são leques de
possibilidades que podem ser praticadas ou treinadas por uma variedade de motivos
e reflexos na realidade. Isso tudo vai depender do modo como o mestre ou
professor trata, utiliza e trabalha as formas dentro da sua escola. O GM Liu
Pai Lin (Tai Chi Chuan), dizia que ‘a forma é feita para ser de(s)formada, para
depois novamente se formar’. Ou seja, a partir de um prisma taoista, é um movimento,
um processo, um Caminho e não um fim. A ordem só existe porque existe o Caos, e
vice-versa. E é justamente por isso a forma é fundamental no sistema WT.
Na linhagem, estilo ou ‘modo’ Yip Man de Wing Chun (o mais
popularizado do mundo), existem 3 formas fundamentais de ‘mãos livres ou limpas’:
Siu Nim Tao, Chun Kiu e Biu Jee. Muitos sifu’s do estilo narram como se esta fosse
a única e/ou verdadeira organização histórica do sistema, o que não é a
realidade. Existem diferentes linhagens, vertentes, estilos ou modos que
possuem outras formas além destas três mais populares. No currículo da nossa
escola (AFWK), por exemplo, possuímos 5 formas de mãos livres, onde só as duas
primeiras também estão na linhagem Yip Man (e com algumas diferenças). Esta
variação entre escolas, estilos ou linhagens vai depender das raízes ou fontes
do conhecimento, em certo grau também das adequações, adaptações,
transformações que as formas sofrem através do tempo.
Por fim, quando se pratica a forma, somos integrados ao
estilo ou sistema, onde o corpo e a mente tornam-se partes deste todo que já
não se separa mais. Gosto de chamar esta integração de ‘incorporação’, que
acontece quando passamos a fazer parte de algo maior, o que no taoismo chamamos
também de ‘espírito’. Nisso, nossa mente, nosso corpo e nossa energia formam...
o que nem precisa(ria) ter nome.
https://www.youtube.com/watch?v=BWJcDSQRRBU
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